Ano novo e velhos receios para o setor automotivo no Brasil

Antes de tudo, quero desejar um Feliz 2015 a todos, com votos de prosperidade e principalmente com a esperança de que o cenário que enxergamos para este ano, no setor automotivo, seja apenas uma miragem.
Sempre foi mais fácil fazer um balanço do que passou – no estilo engenheiro de obras feitas – do que projetar o que está por vir. É preciso ter coragem para atestar uma previsão de futuro, principalmente se for uma previsão ruim.
Bem, vou começar pelas “obras feitas” no setor automotivo em 2014.
O mercado brasileiro terminou o ano com 3,5 milhões de veículos emplacados entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus. Um “tombinho” de 7% em relação a 2013, mas mesmo assim, um resultado que divide com o ano de 2010 a posição de quarto (4º) melhor resultado da história no setor automotivo brasileiro. Melhor em volume, mas péssimo em rentabilidade para as montadoras e principalmente para as redes de concessionárias.
O mês de dezembro esboçou reação para carros de passeio, motivado pela ativação emocional do aumento de IPI e consolidou a retração do setor de caminhões, não só por causa do Finame que todos apontam como o vilão da história, mas também pelas incertezas da economia e das confusões na condução do “Olimpo”. O aumento de IPI – em média de 4,5% – representa pouco no preço efetivo de compra dos veículos, uma vez que a grande maioria das vendas é financiada e o aumento se dilui nas prestações. Por exemplo, para um carro de R$ 50.000, financiados em 48 meses, o aumento impactará a prestação mensal em um valor equivalente ao preço de uma pizza e para quem compra a vista, a diferença sai no preço como desconto em uma negociação. Portanto, seja para a compra a vista ou financiada, não justifica a corrida às lojas. Mas às vezes, uma boa promoção de vendas é aquela que melhor impede o consumidor de raciocinar em formato lógico. De toda forma, devo saudar o mês de dezembro de 2014 como um dos melhores em vendas de veículos em toda história do setor, com mais de 360 mil veículos no varejo.
2015: Agora vamos ao que interessa.
Prepare-se para as incertezas que pensávamos não mais existir nesse plano etéreo. O ano de 2015 será difícil para o setor automotivo, mas será terrível para as redes de concessionárias. Noites de terror para os titulares da rede.
O cenário político e econômico é o pior possível se levarmos em conta a bonança que vivemos nos últimos dez anos. Estão de volta os fantasmas que desestabilizam qualquer planejamento de curto prazo.
O Governo está diante de um painel de controle com muitas variáveis e tenho dúvidas se saberá apertar os botões corretos no momento certo. O aumento da taxa de juros – para conter a inflação – deve elevar os atuais 1,7% ao mês dos bancos privados para algo próximo de 2% na aquisição de novos veículos daqui a alguns meses. No caso dos bancos das montadoras a taxa é um pouco menor, mas subirá da mesma forma. A rentabilidade das montadoras despencou e dificilmente os subsídios para taxas de juros continuarão no ritmo de anos recentes. O crédito ficará ainda mais restrito e seletivo e aquela conversa de “maior facilidade para retomada do bem”, na prática terá pouca influência na benevolência das instituições financeiras – business is business.
A MA8-MCG divulgará na próxima semana um estudo sobre o setor automotivo envolto em cenários recentes, presente e futuro. Com os pés no chão e a sensatez de um grupo de profissionais com mais de 40 anos de experiência no setor – que já viveu muito de tudo – a consultoria prevê nova queda em todos os segmentos e alerta para um iminente colapso nas redes de concessionárias, principalmente em caminhões.
O ano de 2015 começa com previsões negras exatamente sobre os fatores que sustentaram o crescimento do setor automotivo nos últimos dez anos. Haverá queda no nível de emprego e de renda, menos crédito para atividades de consumo e serviço, maior cautela do consumidor para endividar, retração salarial com aumento de custos variáveis na indústria, desistência de investimentos estrangeiros e inversões de FDI, diminuição das atividades da construção civil, possível turbulência no setor elétrico, aumento da safra com déficit de silos em ambiente de queda no valor das commodities, classificação limítrofe de ratings internacionais do país com juros externos maiores na captação, crise de credibilidade do país e das empresas estatais no exterior, menor atividade do BNDES no mercado, menor contribuição do Agronegócio na balança comercial, potencial crise russa, retração chinesa, inflação, dólar em alta, instabilidade política, baixo crescimento econômico, etc., etc..
Calma! Não se desespere. Os EUA estão no sentido inverso com sua economia em recuperação e ainda há a possibilidade de o Governo brasileiro fechar os olhos e apertar os botões corretos naquele painel de controle. Vai que ele acerta e atua para a responsabilidade fiscal, contenção de gastos públicos, meta de inflação firme, criação de um cenário menos burocrático para atrair investimentos e quem sabe, agir de forma competente para reverter a péssima imagem do País no exterior que está afugentando investidores, principalmente os asiáticos. Antes que eu esqueça, que bom seria abandonar o Mercosul – que pouco nos agrega e muito nos atrapalha – passando a fazer acordos comerciais ou bilaterais competentes e frutíferos para nossas atividades de comércio exterior, com blocos ou países mais interessantes como já fazem Chile, Colômbia, México e Peru.
Mediante o cenário acima seria irresponsabilidade prever aumento ou manutenção dos níveis atuais do setor automotivo para 2015 e até mesmo para 2016.
As sofríveis margens e a rentabilidade em toda cadeia automotiva devem continuar caindo e assim, um ajuste nos custos fixos e administrativos das empresas será necessário. Engana-se quem pensa que o setor automotivo brasileiro pratica margens elevadas, mas isso é tema para outra conversa.
Receio que novamente os estilhaços da explosão atinjam prioritariamente as concessionárias. Os estoques nas concessionárias de veículos, de mais da metade das marcas, não estão saudáveis e carregam custos financeiros desproporcionais em um momento de retração da atividade econômica. Tenho visto análises sobre estoques disponíveis para suprir 60 dias de vendas, mas quase ninguém comenta que muitos veículos estão há muitos meses nos pátios das concessionárias e para serem desovados, só um lado arcará com os prejuízos. Esta situação se observa em carros, comerciais leves e caminhões.
Há uma forma de a indústria automotiva manter viva a “galinha dos ovos de ouro”, ou seja, não repassar as penalidades do momento econômico para as suas redes de concessionárias, pois muitas não suportam mais os prejuízos acumulados – salvo raras exceções de grupos capitalizados e capilarizados.
Para algumas montadoras o prejuízo talvez seja inevitável, mas para algumas concessionárias a continuidade dos prejuízos poderá ser a sentença de morte e quando o mercado retomar em 2016 ou 2017, o exército não terá forças para avançar.
Juntando-se a tudo isso, novas fábricas de carros iniciaram recentemente a produção e vendas no Brasil e outras o farão nos próximos dois anos. Como afirmei em 2014 há espaço para todos, mas a briga vai ser épica.
Que sobrevivam os fortes e cresçam os que acreditam. Vamos juntos torcer para que o “Olimpo” se controle e tome as ações corretas para reverter esse quadro.
(*) – Orlando Merluzzi atua no setor automotivo há mais de trinta anos. É membro de conselho, consultor de empresas e sócio da MA8 Management Consulting Group no Brasil.
Mundo automotivo, verdadeira caixa de Pandora! Tudo pode acontecer, realmente é um desafio planejar, vende-se o almoço para se ter a janta!