Há alguns anos escrevi um artigo com o título “o Brasil não é para amadores no setor automotivo”, a pedido de um amigo jornalista. O tema não é novo e foi brilhantemente inaugurado pelo saudoso professor Belmiro Valverde em seu livro do início da década passada. Apenas não havia sido direcionado a um setor específico e foi naquela época – início dos anos 2000 – que o Brasil voltou a ser destino para novos investimentos da indústria automobilística.
Nos últimos quinze anos tivemos duas grandes ondas de investimentos nesse setor, sendo que a mais recente foi caracterizada pelo avanço dos asiáticos. O Brasil também recebeu novos investimentos europeus e norte-americanos nesse período.
Em um estudo recente avaliamos o desempenho e a situação dos recém-chegados em todos os segmentos do setor automotivo, carros, comerciais leves, caminhões, ônibus, máquinas e equipamentos e identificamos claramente as dificuldades encontradas pelos newcomers (muitas delas ironicamente apontadas pelo professor Belmiro em sua obra-prima, há quinze anos).

Algumas empresas subestimaram as características do Brasil e quiseram implantar aqui o mesmo modelo de negócio de seus países de origem e agora correm atrás do prejuízo. Além disso encontraram um terreno promissor com ambiente de negócios e oportunidades ilimitadas, muito propício também para campos minados e armadilhas.
São vários equívocos cometidos por novas empresas e um erro crasso entre os newcomers foi planejar e executar ações por conta própria, sem ouvir os decanos, conhecedores do País. Há os que trataram com displicência as exigências do mercado e depois se surpreenderam com a dificuldade para fazer o cliente confiar numa marca desconhecida e sem tradição. Bem, não posso generalizar mas poucas empresas tiveram a sorte de encontrar um investidor respeitado no País, com capital e governança para conduzir um novo projeto de investimento no setor automotivo. Para essas o caminho será menos tortuoso, mas não menos árduo.
Temos mais de noventa tipos de impostos, uma burocracia sem precedentes e o País não é o que podemos chamar de paraíso para neófitos. Nenhuma nova empresa conseguirá ser bem sucedida, sem o apoio de especialistas locais em várias áreas.
O mercado não tolera planos mal feitos e nem a soberba dos que pensam que na república tupiniquim haverá filas de clientes para comprar seus produtos, ou então, lista de espera de investidores para serem concessionários. Os últimos anos mostraram uma realidade bem diferente e tem até quem já esteja pensando em fazer as malas novamente.
Os novatos que mais enfrentam dificuldade para lançar suas marcas no mercado são indianos e chineses. Inicialmente pela rejeição do consumidor brasileiro e depois, pelo desconhecimento, no caso dos chineses, quanto à forma de se relacionar com parceiros comerciais e com as pessoas nos costumes ocidentais. O problema é cultural e esbarra no aspecto da educação e confiança interpessoal, principalmente na contratação de fornecedores.
Pessoalmente acredito nos produtos chineses e alguns encontrarão seu espaço em território ocidental. É apenas uma questão de tempo. Mas há quem esteja sonhando alto demais por ter tecnologia inédita e achando que pode mudar repentinamente uma tradição de transporte radicada há mais de sessenta anos no País. Como já vimos quase de tudo no setor automotivo, já vimos esse filme também e conhecemos o final.
As empresas que se instalam no Brasil podem ter acesso a bons incentivos de governos estaduais e municipais, mas algumas se iludem com promessas inviáveis e tomam decisões erradas, as vezes por estarem mal assessoradas e acreditarem em benefícios oferecidos que não se concretizarão na prática, deixando de optar por regiões mais vantajosas para sua operação no País. Falta um pouco de malícia.
Com a reversão na economia e a retração do mercado automotivo, muitos planos de investimento serão revistos. Os novatos que se aliaram a parceiros errados ou sem vocação entraram em compasso de espera e alguns anunciaram que puxaram os freios. Isso é bom para as montadoras que já estão instaladas no País há muitos anos e bom também para os poucos recém-chegados que deram o passo certo em parceria no País.
Alguns newcomers possuem (ou possuíam) planos interessantes para investimentos no Brasil, principalmente em áreas de energia limpa, mas o consumidor brasileiro não aceita drásticas mudanças culturais só porque estão sendo bem sucedidas em outros países. Mudar a cultura do consumidor é uma oportunidade e ao mesmo tempo um risco enorme para novos investimentos que, se não forem bem planejados ou mantiverem o atual nível de desprezo com os sinais dos Sábios de Delfos, não se sustentarão e deixarão uma conta bem alta para suas matrizes.
O Brasil não é mesmo para amadores no setor automotivo.
Orlando Merluzzi – Março/2015