
Vivenciar uma nova depressão no mercado automotivo após tantos anos de crescimento e expansão resulta em reações diferentes nas redes de concessionárias de veículos, principalmente se dividirmos esse universo tão especial de resilientes empresários, entre os antigos e os novos.
Há uma grande quantidade de concessionários buscando respostas e conforto emocional para reduzir os efeitos da crise existencial, por terem tanta dificuldade em lidar com as adversidades do cotidiano. Por que entrei nesse negócio de distribuição de veículos? Por que continuo nele?
Acho que vem aí uma nova especialização na área da psicanálise, o psicanalista de concessionários de veículos.
Não há autoconhecimento suficiente e inteligência emocional capaz de fazer com que uma rede de concessionárias entenda a bipolaridade de algumas marcas concedentes, cujos sintomas se acentuam na crise de mercado.
Os concessionários mais antigos já passaram por isso e conhecem o final do “filme”. Saber “navegar entre tubarões” sem ser devorado vivo significa não sangrar em nenhuma situação de pânico e perigo.
As metáforas cabem perfeitamente mediante a situação atual, exceto para o fato de que a pior delas é completamente real e uma grande parcela das redes de concessionárias está na UTI, algumas em estado terminal. Culpa de sua própria ineficiência e ingenuidade por acreditar em todas as promessas recebidas de um negócio fabuloso, lucrativo e sereno. Sim, até poderia ser, desde que o mercado continuasse crescendo rumo ao “Shangri-la”.
Existem dezenas de fórmulas de gestão de custos e operações comerciais capazes de fazer com que a concessionária atravesse a turbulência até a próxima retomada de mercado, que certamente virá daqui a dois anos. Ocorre que as montadoras nem sempre estarão preparadas para auxiliar e fornecer o oxigênio necessário para que as concessionárias permaneçam vivas até lá. Afinal, alguns gestores têm objetivos pessoais a cumprir e muita satisfação a dar para suas matrizes. Assim, se limitam a notificar as concessionárias ineficientes para que cumpram seu papel, as vezes se esquecendo de que essa relação trafega em uma via de duas mãos com direitos e deveres.
É muito difícil a situação de concessionários descapitalizados ou novatos neste momento, em que a simples geração de caixa já seria motivo para grandes comemorações.
Ainda vemos jornalistas despreparados ou mal-intencionados divulgar que concessionárias de veículos ganham muito dinheiro e são responsáveis pela extorsão do consumidor. Mal sabem que as concessionárias com os maiores índices de lucratividade já não conseguem remunerar o capital investido há muito tempo e metade delas estão à venda, sem encontrar comprador. As montadoras não são entidades beneficentes, muito menos as concessionárias. O investimento da rede precisa ser protegido e remunerado.
As redes de concessionárias são o elo mais fraco de toda cadeia automotiva. São pressionadas pelas montadoras a investir, vender e comprar (isso é natural e faz parte do jogo) e são pressionadas pelo consumidor a dar descontos e mais descontos (isso também é natural e faz parte do jogo).
No Brasil não é permitido legalmente que montadoras possuam suas próprias revendas (salvo raríssimas exceções temporárias) e nem seria saudável que o fossem, pois, o nível de especialização e tolerância exigidos na relação entre o consumidor e a revendedora de veículos são tão grandes, que os executivos forjados no mundo corporativo das fabricantes dificilmente conseguem compreender. São mundos muito distintos. Porém, profissionais bem-sucedidos nos dois lados em suas carreiras são pedras polidas preciosíssimas e em trinta anos de experiência neste setor conheci alguns deles. Eles existem e deveriam ser mais valorizados neste momento tão difícil desta relação que coloca os bons concessionários, novos ou antigos, no divã e na UTI ao mesmo tempo.
Quando o mercado retornar em 2017 as montadoras que cuidaram de suas redes e as mantiveram fora da UTI durante o período de turbulência serão as marcas que colherão os frutos polpudos de uma estratégia correta, política, diplomática e humilde. Quem sobreviver, atestará. O divã pode ser uma solução.
Orlando Merluzzi – Set/2015
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