O CONCESSIONÁRIO DE VEÍCULOS NO DIVÃ – 2

Concessionário no Divã 2

 

O ano de 2015 foi trágico para o setor automotivo. Não são apenas os 26% de queda das vendas em relação a 2014 ou os 32% em relação a 2012 que exprimem a aflição dos que tentam manter seus investimentos nesse setor, mas há preocupação maior quando identificamos a queda de 50% sobre as festivas projeções do início da década, que apontavam para um mercado de 5 milhões de veículos por ano no Brasil, exatamente no período em que estamos (fechamos 2015 com 2,5 milhões). Novas marcas de carros, caminhões e máquinas chegaram no País, alguns investidores inexperientes entraram no negócio de distribuição de veículos e quase todas as redes realizaram grandes investimentos. Há até quem “hipotecou a alma” para não perder essa grande oportunidade. Bem, essa conta já chegou há algum tempo.

Atualmente temos fábricas paradas, algumas fechando, empregados em lay-off e 32% da força de trabalho das montadoras sobrevivendo debaixo de algum programa de proteção de emprego do governo. Não há PPE capaz de segurar os empregos no setor por mais alguns meses e a indústria automobilística deve começar as demissões em breve, principalmente porque o setor não é composto por entidades beneficentes e nem poderia ser.

Nesta semana foram divulgados os números de produção e vendas em janeiro de 2016 e o cenário sugere o caminho de uma “hecatombe”. Originalmente a palavra grega é formada por “hekatom”, que significa “cem”, e “be” que significa boi. Na Grécia antiga sugeria a matança de cem bois para comemorar as vitórias das batalhas. Com o tempo o termo passou a fazer referência a grandes catástrofes e também crises que resultavam em tragédias – “tragédia”, de origem grega, peça de teatro cujo desfecho é um acontecimento funesto que termina com uma fatalidade.

Há tempo que as entidades sindicais murmuram, as patronais reclamam e as concessionárias de veículos tentam gritar, mas estão fracas e lhes falta fôlego até para um bom grito. Que o digam as concessionárias de caminhões, os distribuidores de máquinas e equipamentos de construção e boa parte das revendedoras de veículos de passeio.

Em setembro passado publiquei o primeiro artigo “O Concessionário de Veículos no Divã” e imediatamente passei a receber ligações e consultas de concessionários de várias marcas e diferentes segmentos, sobre a situação do negócio em geral, expressando angústia, decepção e incerteza, mas principalmente buscando conforto emocional para reduzir os efeitos da crise existencial. São muitas dificuldades para lidar com as batalhas de mercado no cotidiano e ainda aturar intempéries de algumas marcas concedentes. É comum, ao primeiro sinal de objetivos não alcançados, apontarem os dedos para as redes de concessionárias e suas associações de revendedores, mas esse argumento não se sustenta por muito tempo.

Em alguns casos as partes continuam conversando, sem sair do lugar. Até me faz lembrar um velho lobo político que dizia: “quando eu não quero resolver um problema eu crio uma CPI”. Mas no tema em questão talvez a sigla seja melhor entendida como “Comissão Para Improvisar”.

Nos últimos dezoito meses identificamos o fechamento efetivo de 600 concessionárias no País. Junto com elas desapareceram mais de 16.000 empregos e, dos quase 160 mil empregos diretos no setor de distribuição de veículos, máquinas e equipamentos, não há parcela protegida por nenhum programa governamental de proteção ao emprego. Como disse hoje um amigo, tradicional concessionário de veículos em São Paulo referindo-se a um possível PPE para rede: “Quem seria louco de entrar em uma encrenca dessa? ”

A grande maioria das montadoras no Brasil possuem um competente corpo gestor que reporta para suas matrizes e acionistas externos. Quando alguma coisa vai mal por aqui, no máximo trocam as peças e o jogo continua. Mas, para as concessionárias ou distribuidores, quando a situação se torna extrema, não existe a matriz para socorrer com soluções anódinas que mitigam as dores locais.

Teoricamente, deveria ser a marca concedente a prestar socorro e indicar o rumo para suas redes de concessionárias, mas é desesperador quando em uma reunião entre o presidente da montadora, seus diretores e todas as suas concessionárias, os titulares da rede escutam a seguinte frase: “não temos mais o que fazer e quem não estiver satisfeito que saia do negócio”. Sim, isso é recente. Quem deveria conduzir o exército em um momento de crise e motivar seus soldados a permanecerem focados na batalha é capaz de distribuir as pérolas de sua intolerância nos momentos mais inoportunos. Assim, o líder se torna cada vez mais isolado, acreditando em um apoio sustentado em solos frágeis e movediços, pois na primeira oportunidade, os seus soldados buscarão um outro exército.

Pouco importa para os concessionários as fogueiras de vaidade que imperam no mundo corporativo concedente. O que as redes precisam desesperadamente é recuperar a autoestima, confiança, motivação, controle emocional e se livrar do arrependimento de ter acreditado em tantas promessas e alguns acordos informais.

Mas nem tudo está perdido. Ainda existem dois caminhos menos traumáticos: o divã ou a UTI. Há quem me pergunte sobre um terceiro caminho, que seria sair do negócio e se mudar para Miami ou Toronto. Bem, a decisão de se mudar é pessoal, mas a decisão de sair do negócio não é tão simples, aliás, é mais complexa do que um divã dentro de uma sala de UTI.

Alguns ainda buscam resposta para a dúvida que aterroriza boa parte dos concessionários atualmente: Por que entrei nesse negócio de distribuição de veículos e por que eu continuo nele? Para eles, o divã do ancião é minha melhor recomendação. Também existe a UTI para tentar salvar os que ainda respiram.

Devo repetir algo que expressei no primeiro texto, pois o conselho não muda. Existem métodos de gestão de custos e operações comerciais capazes de fazer com que a concessionária atravesse a turbulência até a próxima retomada de mercado. A estratégia agora é no mínimo, manter o concessionário respirando, o que não significa que não há oportunidades para melhorar a operação atual, reduzindo custos, redesenhando processos e aprimorando suas próprias operações comerciais. Assessoramos regularmente grupos concessionários em todos os segmentos, na restruturação do negócio, planejamento, sucessão familiar e melhoria do desempenho em suas operações e assessoramos montadoras no relacionamento entre a fábrica e a rede. Há muitas ações que dependem exclusivamente do concessionário e outras que são responsabilidade também das fabricantes.

As montadoras nem sempre estarão preparadas para fornecer o oxigênio necessário para que as concessionárias permaneçam vivas. Algumas fábricas ainda tratam com desprezo concessionários que “comeram grama” em crises anteriores e ajudaram a sustentar a marca no País. Infelizmente nada disso vale, as pessoas mudam e a memória se perde. Alguns gestores têm objetivos pessoais a cumprir e muita satisfação a dar a seus superiores e ainda se limitam a notificar as concessionárias ineficientes para que cumpram seu papel, as vezes se esquecendo de que essa relação trafega em uma via de duas mãos com direitos e deveres.

Também não vou dizer que todas as redes são compostas exclusivamente por “santos”, não há ingênuos nesse negócio. Não me consta até hoje que alguma concessionária tenha assinado um contrato de concessão sob coação.

Novamente faço um alerta. É muito difícil a situação de concessionárias descapitalizadas ou novatas, neste momento em que a simples geração de caixa já seria motivo para comemorações. As redes não conseguem remunerar o capital investido e a metade delas em todo País está à venda, sem encontrar comprador. Contudo, até para desinvestir é necessário ter uma estratégia e não basta fechar as portas, deixar o negócio ou até o País.

Voltando para as projeções de mercado, continuo otimista para os próximos anos. A China vai voltar a crescer, o agronegócio brasileiro e as exportações de commodities continuarão a mover nossa economia, as reservas do País devem permanecer fortes e os índices de confiança se recuperarão, aos poucos. As contas públicas podem se estabilizar rapidamente e todo “imbróglio” político que nos jogou nesse buraco nefasto deve se resolver até o final deste ano, de um jeito ou de outro. E até lá, o que fazer? Bem, até lá recomendo muita tolerância e paciência e não se preocupe com distúrbios emocionais, estados de tensão, ansiedade, humor depressivo-ansioso, agitação e insônia. Tudo será apenas efeito colateral do seu tratamento.

Quando o mercado retornar em 2017/2018 (se 2016 nos permitir chegar até lá) as montadoras que cuidaram de suas redes e as mantiveram fora da UTI no período de turbulência serão as marcas que colherão os frutos de uma estratégia correta, diplomática e humilde. Para que isso ocorra, talvez alguns gestores ainda inexperientes das montadoras necessitem coaching e apoio.

Quem sobreviver, atestará. O divã continua sendo uma solução para todos. Quanto a UTI, será melhor se puder ficar fora dela, pois as concessionárias não estão conseguindo pagar um bom plano de saúde ultimamente.

 

Orlando Merluzzi – Fevereiro 2016

 

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3 Comments

  1. Orlando, parabéns! Como sempre muito lúcido e oportuno em seus posts. Há caminhos alternativos para as redes de concessionários ou distribuidores atravessarem esse período turbulento ou de calmaria enervante, dependendo do ponto de vista. O Brasil não vai acabar e a crise não é a maior que essa indústria atravessou. Um grande abraço.

  2. Orlando, Muito bom, parabéns. Com certeza tempos melhores virão.
    Como você bem comentou, os gestores das montadoras com menos experiencia deveriam recorrer aos bons serviços de coaching e muito apoio.
    Um forte abraço.

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