Para quem viveu as décadas de 60 e 70 no Brasil, deve se lembrar que o setor automotivo era composto por três marcas, Volkswagen, Chevrolet e Ford, até a chegada da Fiat em 1976. A partir dali estabeleceu-se em um mercado fechado, o majoritário domínio das quatro montadoras no País (as Big Four, uma alusão às Big Three norte-americanas GM, Ford e Chrysler). Foi assim até o início dos anos 2000.
As quatro montadoras no Brasil detiveram mais de 80% do mercado até 2007 – ver o gráfico – quando, em um movimento inevitável e esperado, começaram a perder espaço para novas marcas que chegavam no País, mas o que surpreende é que no período de dez anos recentes (2007-2016) as “Big 4” perderam o equivalente a 1/4 do mercado, cedendo em um curto período de tempo boa parte do patrimônio conquistado em mais de 50 anos.
Com a expansão econômica do País na 2ª. metade da década passada e a entrada no mercado de uma nova classe consumidora, as novidades no setor automotivo foram ganhando terreno, por competência, tecnologia, design e também pelo fato de serem “novidade”. O consumidor passou a ter alternativas satisfatórias e possíveis. Não vai aqui nenhuma crítica à postura das “Big 4” nesse período, pois o mercado só possui 100 pontos percentuais para acomodar todos os competidores, mas vale uma reflexão sobre o significado da perda de 1 ponto de market share.
As quatro marcas, juntas, perderam 25 pontos percentuais de mercado em dez anos.
Analisando as vendas de carros de passeio e comerciais leves entre os anos de 2007 e 2016, as “Big 4” venderam 20,8 milhões de veículos no Brasil, enquanto o mercado total no País contabilizou 29,8 milhões de unidades no mesmo período. Hipoteticamente, se as quatro grandes não tivessem perdido market share nesse período, teriam vendido 24,1 milhões de veículos, ou seja, ao longo dos últimos dez anos Fiat, VW, GM e Ford deixaram juntas de vender 3,3 milhões de veículos nos dois segmentos. Desse volume cedido, 90% foram conquistados por Toyota, Honda, Hyundai e Renault, que juntas já respondem por um-terço do mercado. O volume restante foi dividido entre outras 30 marcas de veículos no Brasil.
Não é nenhuma precipitação afirmar que até o final desta década, uma nova ordem no setor automotivo brasileiro estará consolidada com as “Big 8”.
Mas, quanto vale 1 ponto de market share para uma montadora consolidada no País? Em um recente estudo na MA8 Consulting analisamos os efeitos financeiros de 1% de participação no mercado automotivo e concluímos que ele representa aproximadamente US$ 350 milhões em geração de negócios sustentáveis para a cadeia exclusiva (montadora, rede de concessionárias, pós-venda estendido, serviços financeiros e recompra retida). Afirmar que as “Big 4” perderam em cadeia quase US$ 9 bilhões pela queda em participação de mercado no Brasil entre 2007 e 2016 não é uma “heresia automotiva”, contudo, ainda não podemos afirmar o mesmo valor como ganho das marcas que ascenderam, pois, o tamanho de seus parques circulantes e fundo de comércio não se comparam com as “Big 4”.
Outro fator a ser analisado isoladamente é o efeito desses movimentos de perda de participação no mercado sobre as redes de concessionárias e aí, a ferida é maior e vai além do aspecto financeiro. Somente nos últimos dois anos foram fechadas mais de mil concessionárias de veículos no Brasil (refiro-me aqui aquelas concessionárias significativas em mercados A, B ou C). Além dos riscos e potenciais passivos legais para as fabricantes, “gato escaldado tem medo de água fria” e será muito difícil convencer alguns bons concessionários a reabrirem instalações no futuro ou até mesmo expandirem seus negócios. Não há uma fila de bons investidores, com vocação, batendo nas portas das montadoras para se tornarem concessionárias de veículos e é possível que, em um futuro não muito distante, a necessidade obrigue o setor automotivo a criar novas formas de distribuição e prestação de serviços, em benefício de suas próprias concessionárias e salvaguardando sua representação de mercado.
Há muitos anos publico artigos e estudos sobre a necessidade de se cuidar das redes de concessionárias e a importância de um relacionamento profissional, transparente e diplomático entre o fabricante e o revendedor, evitando conflitos e relações belicosas. Algumas marcas que cresceram no mercado em anos recentes aplicaram bem esse conceito, em especial as japonesas, fazendo com que seus parceiros distribuidores mantivessem os maiores índices de motivação e rentabilidade no setor, com políticas comerciais interessantes. Nada motiva mais do que o retorno financeiro e a confiança, mesmo em um negócio no qual os dois lados, tanto montadora quanto rede, não possuem vocação para serem entidades beneficentes e assim que deve ser.
Como fazemos no início dos anos, na MA8, desenvolvemos um completo estudo sobre o setor automotivo com projeções detalhadas para todos os segmentos em curto, médio e longo prazos – estudo disponível aos clientes – e alertamos para mais dois anos com altos e baixos e períodos difíceis nas vendas de veículos, principalmente para caminhões e equipamentos de construção. Exceção aos segmentos de Ônibus e atividades de Exportação. Quem quiser maiores detalhes, poderá me contatar diretamente.
Orlando Merluzzi – Jan/2017