O SETOR AUTOMOTIVO ESTÁ VACINADO. NOVAS TURBULÊNCIAS JÁ NÃO ASSUSTAM TANTO.

SETOR AUTOMOTIVO NO BRASIL

 

O Brasil não é para amadores, já dizia o saudoso Professor Belmiro Valverde. Em um ambiente econômico e empresarial no qual os índices de confiança e o humor vão do céu ao inferno em minutos (tempo que durarem as revelações de uma nova delação ou gravação de um empreiteiro ou dono de frigorífico), os planos estratégicos de expansão, fusões, aquisições ou lançamento de novos produtos, aprovados na semana passada em uma tranquila reunião de Conselho, rapidamente são colocados em hold up após uma simples ligação telefônica.

Nos últimos 35 anos enfrentamos 20 crises, desde a crise do México no início dos anos oitenta até a crise política atual que, na prática, começou em 2015. Todas tiveram efeitos devastadores na economia, mas em especial, no setor automotivo, afinal, a matriz de transporte no País é absolutamente dependente das ruas e estradas de rodagem. Com participação direta de apenas 4% no PIB a indústria automobilística brasileira sofre efeitos de todos os setores da economia quando as coisas vão mal.

Segundo estudos da MA8, aproximadamente 73% de todos os bens produzidos no País são transportados sobre veículos comerciais leves e pesados.

Nossa matriz de transportes não vai mudar tão cedo. A velocidade com que novas linhas de trens e metrôs são construídas, segue a passos de tartaruga e mesmo assim, somente para algumas regiões metropolitanas. A ampliação da malha ferroviária esbarra na burocracia das licenças ambientais, que levarão até 15 anos para serem concedidas. Em suma, o Brasil é dependente do setor automotivo e continuará sendo por muito tempo.

Quando se trata de mercado consumidor, o País possui uma frota de 43 milhões de veículos, dos quais aproximadamente 23% frequentam as redes de concessionárias (esporadicamente). Do total, 25 milhões de veículos (carros, caminhões e ônibus) são ativos compradores de peças e componentes no mercado paralelo. Por isso as atividades nesse segmento estão crescendo tanto, também por inabilidade de algumas montadoras, pois não é normal, por exemplo, que a mesma lanterna traseira de um carro custe R$ 2.600,00 na concessionária e apenas R$ 390,00 em lojas oficiais do mercado paralelo. O mesmo digo para o compressor do ar condicionado que, de R$ 7.200,00 na concessionária, pode ser encontrado por R$ 1.680,00 na internet, com entrega em domicílio. Muitos ajustes ainda precisam ser feitos.

No início desta década todas as projeções indicavam que o setor automotivo atingiria o volume de 5 milhões de veículos em 2016, mas chegamos com 2 milhões de veículos vendidos, ou apenas 40%, aliás, 5 milhões de unidades por ano é exatamente a atual capacidade instalada no País, segundo dados da Anfavea. Contudo, vivemos momentos incertos, com duas fábricas recém construídas e inativas (uma delas nem foi inaugurada e está fechada há quase dois anos). Há até quem ameace fechar a fábrica inaugurada no ano passado. Oras, ninguém investe no Brasil, em fábricas e unidades manufatureiras, só porque o País tem selo de investimento das agências de classificação de risco. Isso serve apenas para os fundos estrangeiros de pensão. Os investimentos estratégicos no setor automotivo são realizados no Brasil por quatro razões básicas, independentemente do que falam as agências de risco: 

  1. Tamanho de mercado. O Brasil tem mercado consumidor latente muito atrativo. O índice de veículos por habitante é 5:1, ou seja, há ainda muito espaço para crescer e se isso vai acontecer daqui cinco ou dez anos, é uma outra questão. Esse mesmo índice, para os países com mercado desenvolvido, gira entre 1,2 e 1,8 veículos por habitante, ou seja, o mercado de veículos novos para esses países se tornou reposição e não expansão. Para crescerem, as marcas globais têm que investir na América Latina e na Ásia.
  2. Localização estratégica. A América do Sul é uma das poucas regiões com mercado potencial para expansão e o Brasil representa 50% dessa economia, com ou sem crise política.
  3. Parque industrial e cadeia de fornecedores instalados, modernos e com capacidade de reação rápida.
  4. O Brasil vai voltar a crescer nos próximos anos, apesar das turbulências no Planalto e no Palácio do Jaburu.

Tenho afirmado insistentemente que o mundo experimentará uma situação de crescimento, ainda maior do que a que vivemos entre os anos de 2004 e 2012, isso porque na década passada, enquanto a China puxava o comércio internacional, os Estados Unidos entraram em recessão, em 2008. Em breve o mundo verá as duas superpotências (China e EUA) crescendo juntas pela primeira vez na história. E o Brasil nisso? Bem, nossa matriz de exportação também não deve mudar tão cedo, sendo que as commodities agrícolas e minerais continuarão representando mais de 50% de tudo o que o País exporta. Prepare-se para uma nova onda expansionista nos preços do minério de ferro e dos grãos. A China deve terminar em 2018, a fase de transição de sua matriz econômica proposta por Xi Jinping em 2013, com estoque de reservas internacionais próximas aos 4 trilhões de dólares.

O Brasil vai se beneficiar novamente de tudo isso.

Por aqui, as empresas do setor automotivo já fizeram boa parte do ajuste de gestão e da lição de casa. Reduziram o quadro de pessoal e não vão voltar a contratar tão cedo, mesmo que o mercado retome, otimizaram processos, perderam alguns fornecedores, mas substituíram por outros, ajustaram suas redes de concessionárias (o elo mais frágil da cadeia) e mantiveram muitos de seus planos para atualização de produtos. Algumas marcas que desistiram de se instalar no Brasil, talvez voltem em breve, mas dessa vez, sob nova direção, pois os próximos anos trarão mais consolidações globais com fusões e aquisições.

Quanto ao mercado interno para 2017 e 2018, pode ser que caia mais um pouco, mas como diz um amigo: O que é uma pinta a mais na onça?

Estamos vacinados e sabemos que levará alguns anos para o mercado retomar os níveis de 2012, algo entre cinco e dez anos.

Vamos passar por tudo novamente, voltar a crescer e agora mais fortes e ajustados à realidade. As novas tendências para o setor automotivo, sobre as quais publiquei estudo e pesquisa em 2016, continuarão nos trilhos. Veículos autônomos, conectividade máxima, energia limpa, mobilidade inovadora, disponibilidade compartilhada, nada mudará, apenas deverá atrasar um pouco.

O Brasil não é para amadores, mas cá entre nós, possui um dinamismo inigualável de fatos que deixam investidores internacionais atordoados e entorpecidos, que não resistem às nossas praias, alegria, churrasco e uma boa Caipirinha. Além de tudo isso, o mercado para o setor automotivo é muito atraente por aqui e continuará sendo, principalmente para novos investimentos em fusões, aquisições, expansão de atividades e inovação em toda cadeia. As oportunidades de negócio estão em toda parte.

Orlando Merluzzi

21-05-2017

 

 

 

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