Renúncia Fiscal. Por que o setor automotivo precisa tanto disso?

A RENÚNCIA FISCAL PARA O SETOR AUTOMOTIVO PODERIA SER EVITADA?

 

Em primeiro lugar é preciso entender o impacto dos benefícios concedidos ao setor automotivo na arrecadação total do Estado e em seguida, compará-los aos demais benefícios fiscais concedidos para outros setores da economia. De forma simples, os impactos das concessões para o setor automotivo representam muito pouco no total da arrecadação (apenas 0,24% em média, por ano), se comparados a outros setores produtivos, comércio, serviços, agropecuário e programas sociais, todos, igualmente e regularmente beneficiados pelos cofres públicos e sem um controle efetivo governamental para verificar as contrapartidas não cumpridas, quando essas são exigidas.

Atacar o setor automotivo “dá Ibope” e por isso a indústria automobilística é sempre transformada em vilã pela mídia. É bem verdade que o setor se acomodou em recentes períodos de crise e buscar incentivos governamentais (leia-se majoritariamente taxas de juros de Finame subsidiadas e redução de IPI) sempre foi a saída mais rápida para ocultar ineficiências operacionais e produtivas, mas o próprio Governo e seus órgãos reguladores não tiveram competência para regulamentar, por exemplo, o Inovar-Auto, que acabará ao final deste mês deixando muitas pendências e “penduricalhos” sem solução.

Em outra oportunidade, já disse que o setor automotivo precisa olhar para o próprio umbigo e buscar por conta própria o aumento da eficiência operacional, da competitividade de produtos e processos. Depender do governo é um risco nem sempre calculado. As montadoras estão no Brasil, não só por oportunidade, mas por estratégia, uma vez que a maior economia da América Latina oferece mercado crescente e atraente. A outra economia estratégica, que todos devem estar, é a China. Europa e Estados Unidos são mercados maduros de reposição e não mais em crescimento. Por isso, quando ouço um executivo dizer que a montadora pode sair do Brasil, não me assusto, mesmo porque além de custos trabalhistas, há a gigantesca indenização que precisaria ser paga para a rede de concessionárias e se tem algo que as montadoras sabem fazer bem, são as contas financeiras e os custos de cada ação tomada.

Às vezes, investimentos mal calculados e planos de negócios mal assessorados resultam, por exemplo, em uma nova fábrica moderna, recém-construída e em seguida fechada, sem nem ao menos ter sido inaugurada. No final, sai mais barato mantê-la do que reverter todo o processo. Temos um caso em Itirapina, SP.

Por que os incentivos fiscais?

Todos os países desenvolvidos oferecem incentivos e benefícios fiscais e tributários para setores estratégicos e o Brasil, onde tais renúncias atingem um montante equivalente a 30% do total da arrecadação, não é diferente. São beneficiados os setores de agricultura, zonas francas, entidades sem fins lucrativos, igrejas de vários credos, ciência e tecnologia, comércio e serviços, cultura, esportes, educação, lazer, partidos políticos, sindicatos, energia, habitação, bancos de fomento e financiamentos regionais, e tantas outras coisas que, somadas devem ultrapassar R$ 300 bilhões em 2017. Mas as montadoras, que consomem apenas 1% disso, constituem o grande painel de ideologias multilaterais.

A indústria automotiva nacional é a mais complexa cadeia produtiva que existe, envolvendo uma rede de suprimentos que abrange todos os segmentos e setores. Na transformação e manufatura desenvolve tecnologia e competências humanas e nas operações comerciais, as atividades de serviços financeiros, distribuição, propaganda e atendimento aos clientes. O parque de veículos gerado ao longo dos anos oferece a possibilidade da criação de um mercado paralelo de peças e serviços que nem sempre é lembrado ao contabilizar-se a geração de riquezas deste setor.

É indiscutível que um único emprego direto nas montadoras pode representar quinze vezes mais empregos no restante da cadeia. Esse complexo ecossistema produtivo e tecnológico, formado por esse setor, consome apenas 1% de toda a renúncia fiscal, benefícios e incentivos que o governo concede para todos os outros setores da economia.

A indústria automotiva poderia viver sem ele? Sim, poderia, desde que as regras no País tivessem o mínimo de previsibilidade e longevidade. Por outro lado, se o sistema tributário no Brasil fosse mais simples nada disso seria necessário. Contudo, para evitar outras confusões, quero deixar claro que não é somente por causa do sistema tributário que um carro no Brasil custa tão caro. Já publiquei dois artigos sobre esse tema e estão disponíveis no blog do oleodiselnaveia.com.

O que é renúncia fiscal e o que incentivo?

Precisamos entender quais são os tipos de incentivos que resultam na famigerada “renúncia fiscal”. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) temos anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondem a tratamento diferenciado. Os benefícios tributários se referem aos gastos governamentais indiretos decorrentes do sistema tributário, que visam atender objetivos econômicos e sociais, constituindo-se em exceção ao sistema tributário de referência e que alcançam, exclusivamente, determinado grupo de contribuintes, produzindo a redução da arrecadação potencial e aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte. Os benefícios financeiros são desembolsos realizados por meio de equalizações de juros e preços. Os benefícios creditícios são gastos decorrentes de programas oficiais de crédito, operacionalizados por meio de fundos ou programas, a taxa de juros inferior ao custo de captação ou oportunidade do Governo Federal. De modo geral, esses recursos são destinados ao financiamento de atividades produtivas voltadas para o desenvolvimento regional e social, bem como para apoio a determinados setores da economia.

Um modo mais simples de entender isso é imaginar que, em um local onde ainda não existe a fábrica, por exemplo, não há a atividade e, portanto, não há o que renunciar. O que alguns estados com programas corretos de atração de investimentos fazem é diferir e financiar os impostos (não os renunciar), que serão pagos posteriormente quando o empreendimento estiver em plena operação. São relações de compromissos mútuos. Esse tipo de incentivo viabiliza o investimento e o fluxo de caixa da operação.

Contudo, o maior desafio ainda é tentar explicar para os investidores estrangeiros, como funciona o complexo sistema tributário daqui.

A maior parte da renúncia fiscal vai para as micro e pequenas empresas, em um montante anual que representa 6% de toda arrecadação do País. Alguém duvida da importância das micro e pequenas empresas para a nossa economia e da necessidade de facilitar a questão tributária a elas? Da mesma forma, alguém questiona a necessidade de incentivar e financiar o agronegócio, responsável por 47% de tudo o que o Brasil exporta? Analogamente, todos os incentivos fiscais e tributários concedidos para habitação, educação e programas sociais são igualmente importantes e necessários.

Pessoalmente, questiono conceitualmente os benefícios concedidos aos partidos políticos, às igrejas, aos sindicatos e algumas ONG’s e entidades filantrópicas, que, somados, representam bem mais do que a renúncia fiscal concedida às montadoras. Se compararmos as gerações de empregos resultantes… Bem, isso fica para um próximo estudo.

Quanto aos demais incentivos e benefícios estaduais e municipais concedidos para as montadoras, “cada caso é um caso”. No momento em que a montadora está buscando local para instalar uma nova fábrica e potencialmente trazer consigo um parque de fornecedores, que inevitavelmente desenvolverá a região, prefeituras e representantes dos governos estaduais oferecem uma quantidade enorme de benefícios e incentivos, como isenção, diferimento, infraestrutura, terreno, financiamento, entre outros. Alguns estados e municípios são bastante sérios em seus processos e tudo é feito com governança e transparência, mas há casos em que, para trazer os novos investimentos para suas regiões, as promessas são tantas que até o padre desconfiaria do bispo.

Investir e empreender no Brasil é muito difícil. São mais de cem diferentes tipos de impostos, taxas e alíquotas vigentes, sem mencionar as inúmeras licenças obrigatórias para qualquer operação, entre elas a licença ambiental e as autorizações do Iphan. Quem consegue empreender no Brasil, construindo uma operação que parte do zero, é um herói. O Brasil não é um País amigável para novos investimentos em nenhum setor da economia. São esses heróis que geram riquezas, empregos e fazem o Brasil figurar na lista de países em desenvolvimento.

Espero que os incentivos, benefícios, financiamentos e tudo mais que se constitui em “renúncia fiscal”, continuem a existir e que o governo saiba monitorar o uso dos recursos de forma coerente, sem punir, mas em parceria para que as empresas no Brasil e, em especial o setor automotivo, possam colocar o País no primeiro mundo da tecnologia. Afinal, tudo vai mudar em pouquíssimos anos com veículos conectados, energia limpa e renovável, veículos elétricos e autônomos, indústria 4.0, inteligência artificial, internet das coisas e gestão do Big-Data. Não pense que conseguiremos disputar a primeira divisão desse campeonato, sem incentivos fiscais, tributários e financiamentos por parte do Governo.  

Orlando Merluzzi

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