Em setembro de 2015 publiquei o primeiro capítulo da trilogia “O concessionário de veículos no divã” – ao final desse artigo você encontrará o link para acessá-lo. O mercado automotivo apresentava, então, queda de 32% em dois anos após um frutífero período de crescimento e euforia, que começou na segunda metade da década passada.
Cinco meses depois, em fevereiro de 2016, publiquei o capítulo 2. Nesse intervalo a bomba explodiu, o trem descarrilou, investidores suspenderam planos para o Brasil e a economia mergulhou em águas poluídas pela política. Chegamos ao final daquele ano com queda de quase 50% no mercado, em três anos. Em ambos os textos eu afirmava que o mercado retomaria crescimento em 2017 e adiante.
Quem sobreviveu aos últimos quatro anos, no setor de distribuição de veículos, sai com cicatrizes na alma.
As montadoras que souberam fazer a correta leitura da situação e apoiaram suas redes de concessionárias devem colher bons frutos a partir de 2018. Contudo, quase duas mil concessionárias fecharam as portas entre 2013 e 2017 (dados da MA8 Consulting).
Na vida de um concessionário de veículos nada é fácil e quando as coisas parecem que vão melhorar, surgem novas incertezas para tirar o sono de titulares e executivos do setor. Como já disse em outras ocasiões, sempre há a velha dúvida que aterroriza boa parte dos investidores: Por que entrei nesse negócio de distribuição de veículos e por que eu continuo nele? Para eles, o divã continua sendo uma das recomendações possíveis.
Um amigo, concessionário em uma região metropolitana, certa vez me disse que “estava no negócio porque não sabia fazer outra coisa e o que faz, faz bem. Ganhou dinheiro, cresceu e se tivesse oportunidade compraria mais uma concessionária”. Então eu perguntei:
– Por que você reclama tanto?
Ele respondeu:
– Porque me machuco, sofro, mas é divertido…
Agora o mercado começará a crescer novamente. Economia voltando, taxas de juros despencando, retomada do crédito e disponibilidade de financiamento. É o ciclo que se repete há décadas. Todavia, surge um novo fantasma para o setor, sobre o qual ninguém falava há quatro anos, quando a crise começou de fato (e felizmente passou).
O novo ambiente em que o setor automotivo habitará daqui para frente é diferente daquele que existia, não na economia, mas em tecnologia. A mobilidade inteligente, conectividade, carros elétricos, veículos semiautônomos e autônomos, exigirão das redes de concessionárias um novo processo de reinvenção.
Muita coisa deve mudar em um período de até cinco anos, entre elas, a tradicional forma de relacionamento entre as redes e as montadoras.
O negócio das concessionárias depende majoritariamente das atividades do pós-venda e com o carro elétrico e “sensorizado” essa fonte de receita diminuirá muito em médio prazo, principalmente porque o carro elétrico possui, em média, 50% menos peças móveis, não troca óleo nem filtro, pode ser consertado à distância pela própria montadora e uma pastilha de freio pode durar até 150 mil quilômetros. Novas competências serão demandadas das concessionárias, novos concorrentes virão, novas formas de vendas e relacionamento com o cliente tomarão espaço e até, quem sabe, a lei 6729 precisará ser atualizada.
Alguns concessionários prepararam bem os filhos para serem sucessores e não herdeiros e continuarão tendo sucesso no negócio de distribuição de veículos ou prestação de serviços de mobilidade, quaisquer sejam as mudanças no ambiente. Para outros, remanescentes, o divã continuará sendo uma solução para trazer conforto emocional, mas provavelmente, em breve, terão uma inteligência artificial como novo psicanalista.
Nota: Nessa semana a SpaceX lançou ao espaço um Tesla Roadster. Engana-se quem pensa que foi apenas mais um caro golpe publicitário de Elon Musk. O que há por trás disso é uma visionária disputa com a Virgin Galactic (Richard Branson) pelo futuro do transporte, na Terra, pelo espaço, além da Exosfera. Daqui a alguns anos será possível viajar entre América e Ásia em poucas horas.
Orlando Merluzzi – Fev/2018
Links:
O Concessionário no Divã – Parte 1
O Concessionário no Divã – Parte 2