É muito saudável quando as partes se toleram em momentos de turbulência e se amam na bonança, afinal, ao assinarem o contrato de concessão estão celebrando um casamento, com ônus e bônus.
Nos últimos trinta anos atuei diretamente na gestão de redes de concessionárias de carros, caminhões, ônibus e conheço bem os anseios e angústias dos dois lados, fabricantes e revendedores. Continuo vendo a relação entre concedente e concessionária como algo sensível, técnico e muito diplomático. Diplomacia é uma entre as três colunas de sustentação desse negócio (as outras são competência e transparência).
Não existe fórmula para gerir o relacionamento entre montadoras e concessionárias, mas os fundamentos básicos não mudam: o concessionário é um investidor que precisa ter retorno do investimento e o negócio hoje está muito profissionalizado. As cobranças são estressantes, mas são parte e regra do jogo.
Ao longo do tempo essa relação constrói uma história e os novos funcionários, provavelmente, desconhecerão o passado e quanta parceria foi necessária para o cumprimento de objetivos comerciais nas últimas horas de cada mês. No final, o importante são os resultados que uma parte propicia para a outra, entre eles a participação de mercado, o volume de vendas, a satisfação do cliente, a rentabilidade e a sólida via de duas mãos.
Sou de uma época em que o faturamento avançava pelos dias 32, 33 e 34 de cada mês, com consentimento mútuo. Hoje isso não é mais possível e as partes buscam a previsibilidade.
Alguns investidores acostumados a negócios com geração de caixa imediato, ao entrarem em uma representação de caminhões ou máquinas, por exemplo, às vezes se surpreendem, pois, entrega-se primeiramente o produto e recebe-se o dinheiro depois. Haja capital e crédito. Em compensação, a rentabilidade é sustentável e a correta exploração da frota e absorção do pós-venda definem o fundo de comércio. Quanto maior o parque circulante da marca, maior o valor da franquia e algumas são “blue-chips” no Brasil.
Para concessionárias de carros o estresse é ainda maior, apesar de o revendedor receber primeiro pela venda, antes da entrega (no sentido oposto do negócio de caminhões e máquinas). As margens são baixas e o que sustenta o negócio é o volume. Nesse segmento o índice de fidelidade do consumidor cai verticalmente e a absorção de serviços é bem menor, se comparada com caminhões.
Marcas com menos de 2% de market share em carros e comerciais leves dificilmente conseguirão manter uma rede de concessionárias saudável no Brasil.
Novas tecnologias e mutua dependência
As montadoras não devem ver seus concessionários como inimigos e os concessionários não devem pensar que por trás de uma ação da montadora existe sempre uma segunda intenção. As partes dependem uma da outra e estão no mesmo barco.
As brigas já estão fora de moda e o ideal é fomentar o diálogo. Nunca vi uma disputa entre montadora e rede de concessionárias, em que uma parte tenha saído vencedora. Nunca! E os exemplos na indústria automobilística no Brasil são inúmeros.
Em mais de três décadas nesse setor lembro-me de quantas pedras chutamos pelo caminho. No início passávamos por cima, mas hoje desviamos das pedras e seguimos em frente. Quando penso nas novas marcas que chegaram e ainda chegarão no Brasil, olho para trás e vejo as mesmas pedras no caminho, esperando pelo próximo tropeço, com a diferença que as novas marcas terão de construir suas redes de concessionárias, convencer e atrair investidores, sobreviver algum tempo sem parque circulante e aprender as entrelinhas do relacionamento entre montadora, redes e associações de marca.
Conquistar espaço no mercado demanda muito tempo. Conquistar a confiança dos clientes requer seriedade e humildade. Quem aqui chegar, olhando o mercado brasileiro como mais um pais de terceiro mundo ou querendo impor a sua cultura e jeito de fazer negócios, pelo menos no setor automotivo, vai se dar mal. Temos alguns exemplos recentes.
Com as novas tecnologias o modelo de negócios está mudando, mas as redes de concessionárias continuam sendo a “galinha dos ovos de ouro” de todas as marcas. Os desafios da mobilidade urbana inteligente, seja com os aplicativos e compartilhamento, prestação de serviços, inteligência artificial, veículos autônomos ou apenas elétricos, não eliminarão a necessidade do ótimo relacionamento e do respeito entre montadoras e redes de concessionárias. Sim, as redes continuarão existindo, sejam quais forem as mudanças na Indústria 4.0 ou na Sociedade 5.0. Talvez, sejam necessários pequenos ajustes decorrentes dessa nova tecnologia, mas as pessoas continuarão sendo a melhor parte de tudo isso.
Orlando Merluzzi – set/18
Leia o artigo de agosto clicando no link abaixo:
CONCESSIONÁRIA 5.0 – Cem anos de gestão nas redes de concessionárias de veículos no Brasil
Caro Orlando, estive no seu escritório, em Alphaville há alguns meses atras. Acompanho você pois, infelizmente, vendemos uma empresa criada por meu Pai em 1.945, após 51 anos de atividade sob nosso controle e gestão, e entramos num negócio desastroso, concessionários Renault e Nissan, 18 unidades em São Paulo, Paraná e Bahia, e perdemos todo o dinheiro que investimos neste negócio desastroso. Assim, em 2.005, fechei todas esta unidades, em seis meses, e ajuizamos Indenizatória contra o Grupo Renault do Brasil, na tentativa de receber de volta oque perdemos mais pagar o que ficamos devendo. Acho que, no Brasil, a Lei deveria proibir a existência de concessionárias de veículos mas as próprias montadoras e somente elas deveriam fazer a distribuição. Isto porque a relação entre Montadora e Concessionário é cruel e desigual. Clovis.
Caro Clovis, lamento muito essa situação e espero que as partes cheguem a um entendimento. Como eu mesmo falei no texto, não há vencedores nesse tipo de batalha. Desejo sucesso e serenidade à todos. Sds, OM
Ao longo do tempo essa relação constrói uma história e os novos funcionários, provavelmente, desconhecerão o passado e quanta parceria foi necessária para o cumprimento de objetivos comerciais nas últimas horas de cada mês. No final, o importante são os resultados que uma parte propicia para a outra, entre eles a participação de mercado, o volume de vendas, a satisfação do cliente, a rentabilidade e a sólida via de duas mãos.
Orlando, por esse comentário vindo de um profissional tão gabaritado de muito respeito, acabo de ter certeza que os concessionários devem abandonar o serviço de Pós Venda. Esse conceito de o mais importante é o resultado é transmitido para o Pós Venda da marca há muito tempo, que o prejudica e muito, vemos que por isso qualquer queda nas vendas de veículos o Pós Venda agoniza, por não fidelizar de fato o cliente nas oficinas. Temos nas concessionarias diretores de vendas que mandam e desmandam nas oficinas, fazendo das oficinas um servo sem direitos, e gerentes de oficinas que recebem e seguem as ordens do setor de vendas fazendo das oficinas um setor 100% serviçal ao setor de vendas, como você disse – O importante é o resultados. Talvez os meios não importam!! O conceito de que o Pós Venda e feito para pagar as contas do concessionário está sendo seguido a risca, O IMPORTANTE É O RESULTADO. Se as oficinas das concessionarias fossem um setor independentes das vendas de veículos zero quilômetros, teríamos preços melhores, e serviços que fidelizariam muito mais, as auditorias seriam mais serias, você sabe, se um Pós Venda não esta dando resultado de qualidade, entretanto estão vendendo bem, ai emprega a regra O IMPORTANTE É O RESULTADO, e muito mais!! As oficinas independentes estão muitas vezes mais preparadas para atender um cliente, enquanto a maioria das oficinas de concessionarias estão mais preparadas para atender o setor de vendas de veículos zero quilometro e serviços em garantia.
Um abraço.
Att, Ronário Lemos.
Olá Ronário, penso o oposto. As redes de concessionárias devem buscar implementar programas inteligentes para elevar a absorção de pós-venda, independentemente das fábricas, ou seja, agir estrategicamente no pós-venda para reter e lucrar por períodos mais longos com o mesmo cliente em uma relação de mão-dupla, quer a fábrica venha junto ou não. Abandonar o serviço de pós-venda é o pior caminho. Há muitos programas interessantes para isso. Na MA8 temos alguns inovadores exclusivos para pós-venda. Geralmente, depois de ver os resultados, as fábricas acompanham e até revisam o seu próprio modelo de negócios no pós-venda. Depende muito da estrutura e governança das comissões de pós-venda conduzidas pelas associações de marca. Um abraço, OM