… antes que seja tarde demais.
Com a chegada das novas tecnologias é mandatório que as montadoras e as concessionárias, por meio de suas associações, revejam o tradicional modelo de relacionamento, sem alterar três fundamentos básicos: técnico, político/diplomático e legal.
No lado técnico, as comissões específicas desenvolvem junto com a fábrica (ou deveriam fazê-lo), as políticas de vendas, pós-venda, treinamento e gestão financeira, entre as mais importantes.
No lado político/diplomático, espera-se que as partes fomentem agendas positivas, relações éticas e respeitosas, livres das preferências ou diferenças pessoais.
No lado legal, deve-se guardar os limites da legislação específica e das convenções que estabelecem o modus operandi de vendas, assistência e representação da marca, pelas concessionárias.
Em cada um dos três fundamentos há estratégias de palco e de bastidores e não existe um manual que ensine a forma de conduzi-las. Vale a experiência das pessoas, o tempo de “janela” e os interesses de cada área. É nesse momento que as agendas entram em uma atmosfera nebulosa.
As associações de marca, por sua vez, foram perdendo parte da importância e referência no processo. Durante muito tempo a maioria das associações foi utilizada para expor casos particulares de problemas financeiros ou deficiência individual e algumas fabricantes passaram a conduzir as relações, com dualidade. O resultado disso é que, em muitos casos, formaram-se grupos de concessionários fortes e relevantes para as montadoras, com acesso diferenciado e conduzindo negociações paralelas, nem sempre em nome do coletivo. Atire a primeira pedra a marca em que isso não ocorre ou nunca ocorreu.
Nos últimos trinta anos atuei diretamente na gestão de redes de concessionárias de carros, caminhões, ônibus, máquinas e conheço bem os anseios e angústias dos dois lados, fabricantes e revendedores. É muito saudável quando as partes se toleram em momentos de turbulência e se amam na bonança, afinal, ao assinarem o contrato de concessão estão celebrando um casamento, com ônus e bônus.
Novos modelos de negócios e a chegada das novas tecnologias
Com as novas tecnologias o modelo de negócios está mudando e o controle sobre os produtos, informação dos clientes e acesso às operações de vendas e assistência, cada vez mais estão se concentrando nas mãos das fabricantes, mas as redes de concessionárias continuam sendo a “galinha dos ovos de ouro” de todas as marcas, apesar de, em alguns casos, serem apenas atores coadjuvantes.
Os desafios e desenvolvimento da mobilidade urbana inteligente não eliminarão a necessidade do bom relacionamento e do respeito entre montadoras e redes de concessionárias. Sim, as redes continuarão existindo, sejam quais forem as mudanças na Sociedade 5.0.
As mudanças demandam novas atitudes.
As redes de concessionárias, por meio de suas associações, não podem mais continuar esperando, sempre, que as montadoras tragam as soluções. Se as associações não se anteciparem, de forma proativa, colocando na mesa os novos modelos de negócios que atendam às necessidades das partes e estejam alinhados com as novas tecnologias, não adiantará reclamarem posteriormente e continuarão sendo vistas pelas fábricas, da mesma forma que o são hoje.
A próxima etapa: a concessionária 5.0
Chegamos aos cem anos de gestão nas redes de concessionárias no Brasil e posso dividi-los em cinco fases, sendo que a quinta etapa começou em 2019.
1ª. fase (1920-1950). Foram nomeados os primeiros revendedores autorizados e algumas marcas começaram a montar veículos em CKD. Desenvolveu-se o mercado de veículos usados, oficinas e as peças no paralelo.
2ª. fase (1950-1995). Novos contratos de concessão foram assinados e as revendas se organizaram em associações. Foram implantados os indicadores de gestão e competência. Regulamentou-se a relação entre as partes (Lei 6729/79 – PCCE/83 – 8132/90), surgiram os fundos de capitalização, novos sistemas de financiamento e abriu-se o mercado para carros importados.
3ª. fase (1995-2012). O consumidor conheceu novas tecnologias e tornou-se mais exigente e crítico. Consolidou-se a internet e teve início o mercado eletrônico, com pesquisas e comparativos online. Ocorreu a reestruturação das redes de concessionárias em várias marcas, cresceu a multi-representação e a gestão tornou-se profissionalizada.
4ª. fase (2013-2018). Surgiram novas formas de vendas de veículos, terceirizadas por sistemas de prospecção online, novos processos de pós-venda, comércio eletrônico em peças, novas tecnologias e a necessidade de desenvolver competências técnicas e comerciais. É a era da inteligência artificial, machine learning, realidade virtual, energia limpa e renovável.
5ª. fase (2019). Inicia-se a era dos veículos elétricos, híbridos e célula de combustível, com a certeza de que os motores a combustão não acabarão. Chegarão os autônomos (não tão cedo no Brasil). Teremos novos processos de vendas, pós-venda, mudança de comportamento do consumidor e novas necessidades do cliente.
Qual rede de concessionárias atingirá primeiro a fase 5.0?
É preciso celeridade e isso diz respeito, principalmente, às associações de marca.
Conectividade sem fronteiras, tecnologia da informação, vendas e estoques virtuais, menor capital preso, menos juros de floor plan, áreas físicas otimizadas, assistência técnica remota, reprogramação do veículo a distância, menor índice de falhas, menos peças para trocar, pouca necessidade de intervenção da concessionária, transações em criptomoedas, veículos elétricos, autônomos, compartilhamento, mobilidade inteligente…
São tantas as novidades para o setor de distribuição de veículos, que a Lei 6729 e a PCCE estão com os dias contados. O tempo vai separar a propaganda da realidade, mas é importante que as redes de concessionárias e as fábricas comecem a redesenhar as suas convenções de marca e repensar a forma de relacionamento interno e externo, antes que seja tarde.
A regulamentação das relações entre fabricantes e redes de concessionárias, vigente há quase cinco décadas, não foi feita para conviver com o novo ambiente tecnológico dos negócios no setor automotivo.
A modernização das relações entre redes de concessionárias, associações e fabricantes de veículos, passa também pela solução dessa necessidade iminente, além de, é claro, estabelecerem novos procedimentos dinâmicos e flexíveis. As redes precisam agir proativamente e propor ações para as fábricas. Do lado das montadoras, o grau de dependência será cada vez menor, uma tendência inevitável, mas as duas partes não poderão viver, uma sem a outra.
Orlando Merluzzi (*)
(*) Consultor em gestão, mentor e palestrante, atua no setor automotivo há 32 anos.