Procura-se “eletricidade”. Alternativas e oportunidades na matriz energética do Brasil.

O risco de um colapso nos próximos anos pode ser evitado com uma gestão governamental competente e incentivos aos empreendedores.

O desenvolvimento da economia, previsto para os próximos anos, trará, inevitavelmente, o risco de novos apagões elétricos no país, principalmente porque 64% da geração e oferta de energia elétrica no Brasil depende das usinas hidrelétricas. Embora seja um recurso renovável os últimos anos nos mostraram que o risco hidrológico tem aumentado regularmente, no sentido inverso da energia armazenada nos reservatórios pelo país.

Uma análise nos dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), aponta que a energia armazenada nos reservatórios das regiões Sudeste e Centro Oeste vem sendo reduzida anualmente e nos últimos dez anos caiu 40%. Apenas dezoito meses de estiagem, entre os anos de 2014 e 2015, foram suficientes para que muitas turbinas em usinas hidrelétricas fossem desligadas na região Sudoeste.

Segundo dados do ONS, os reservatórios do Sudeste e Centro Oeste encontram-se com 38% da capacidade de armazenamento, enquanto os reservatórios do Sul, Nordeste e Norte apresentam 47%, 50% e 65%, respectivamente. Desconsiderando o efeito sazonal, em média, nos últimos anos os períodos chuvosos não têm compensado o déficit.

De acordo com o IEA (International Energy Agency), em todo o mundo as usinas hidrelétricas respondem por 19% da capacidade instalada de geração de eletricidade e apenas 33% das fontes utilizam recursos renováveis (no Brasil esse índice é de 80%). Entende-se por geração de eletricidade com recursos renováveis, majoritariamente, as fontes hidrológicas, eólicas, fotovoltaicas e as que utilizam biomassa. Ainda sobre as fontes mundiais de geração de energia, o carvão responde globalmente por 38% (enquanto no Brasil, não passa de 2%).

Em um recente estudo sobre o futuro da refrigeração no mundo, a IEA classificou que um aumento médio de 1°C na temperatura na Terra (provável que ocorra até 2050) não acontecerá de forma linear, sendo que o Brasil, América Central, Estados Unidos, África, Oriente Médio e partes da Ásia, Oceania e Europa sofrerão mais as consequências, gerando um grande aumento na demanda por equipamentos de ar-condicionado.

O mundo possui um total de 1,7 bilhão de equipamentos de ar-condicionado e as projeções do IEA apontam que em 2050 serão 5,6 bilhões de aparelhos. Hoje, na China, há 630 milhões de aparelhos de ar condicionado instalados a uma taxa de aproximadamente 2,2 habitantes por equipamento, enquanto no Brasil esse número é de 32 milhões, ou 6,6 habitantes por equipamento.

Em termos de consumo de energia elétrica, no Brasil, os condicionadores de ar instalados nos edifícios comerciais representam entre 30% e 40% do total da eletricidade consumida. Apenas 18% das residências no País possuem, ao menos, um equipamento de ar condicionado, o que indica um enorme mercado potencial para os próximos anos e com ele, o aumento da participação do ar condicionado no consumo de eletricidade dos equipamentos eletroeletrônicos nas residências. 

A gestão da matriz energética no Brasil

O Ministério de Minas e Energia, ao longo dos últimos anos, tem-se mostrado consciente dos riscos e regularmente publica, por meio de suas entidades vinculadas ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e EPE (Empresa de Pesquisa Energética), estudos e projeções que incluem as formas de geração, transmissão, estrutura, planejamento, consumo e demandas energéticas variadas. Assim, é possível obter dados oficiais, críveis e detalhados, sobre o passado, o presente e o futuro do cenário energético no País. Contudo, por si, esse amplo banco de dados e projeções não asseguram que o Brasil estará livre de um colapso no fornecimento de energia nos próximos anos e não é para menos, uma vez que mais da metade da nossa matriz energética depende da boa vontade de “São Pedro”.

A construção de novas usinas hidrelétricas, embora projetadas e anunciadas, não é algo que acontece em curto espaço de tempo. É necessário vencer obstáculos legais, ambientais e políticos, até que a usina hidrelétrica tenha, de fato, suas obras iniciadas e algumas extrapolam o limite da razoabilidade. Apenas como exemplo, a usina de Belo Monte, tão importante para o País, levou trinta e cinco anos para que as obras pudessem ter início em 2010, a partir dos estudos iniciais da Eletronorte em 1975. O cronograma atrasou por questões legais, paralisações pelo Ministério Público Federal, questões ambientais, indígenas e políticas. Após a liberação do Ibama em 2010, com quarenta exigências de adequação, a usina conseguiu atingir a capacidade de 7,5 GW em dezembro de 2018, representando 5% da capacidade instalada no país.

Entendendo o fluxo da matriz energética no Brasil

A oferta de energia elétrica no Brasil para o sistema atingiu 628.000 GWh (valor médio entre 2017 e 2018), incluindo a importação de eletricidade. Além das fontes hidráulicas, que somam quase dois-terços desse total, pouco mais de 9% foram gerados a partir da utilização do gás natural, 8% provenientes da biomassa, 7% da energia eólica e 9% das demais fontes, que englobam carvão mineral, derivados de petróleo e central termonuclear. A geração solar fotovoltaica não foi significativa no período.

Do outro lado, o consumo total de eletricidade no País atingiu 529.000 GWh sendo o setor industrial o maior consumidor com 32%, os quais incluem a parcela de autoprodução de eletricidade. Em seguida estão os setores residencial e comercial, respectivamente com 22% e 14%. Demais setores respondem por 16% do consumo e as perdas no sistema, com pouco mais de 15%. (ver gráfico a seguir)

A evolução do consumo e as projeções para os próximos dez anos

A expansão da economia brasileira entre os anos de 2005 e 2014, boa parte devido ao crescimento da China, fez com que o Brasil subisse vários degraus nos índices internos de consumo. Imóveis, automóveis, eletrodomésticos e principalmente aparelhos de ar-condicionado são um bom termômetro da expansão industrial e comercial, além do crescimento do número de domicílios. O consumo de eletricidade saltou de 345.000 GWh em 2005, para 475.000 GWh em 2014, um crescimento de 38% em nove anos, o que, para o setor é um índice considerável e pode gerar efeitos colaterais (como gerou, pequenos apagões e aumento das tarifas pelo socorro prestado pelas termoelétricas).

A relação do crescimento do consumo de eletricidade com a expansão do PIB é direta e na média dos últimos anos, o consumo cresceu meio ponto percentual a mais do que o PIB. Mesmo com a crise a partir de 2015, o consumo anual de energia elétrica manteve-se acima de 460.000 GWh.

Os próximos anos, no Brasil, projetam crescimento da atividade econômica, com aumento de domicílios, retomada industrial, expansão comercial e até um grande volume previsto para vendas de aparelhos de ar-condicionado que hoje, entre os eletrodomésticos, representam 17% do consumo de eletricidade e em 2027, segundo os dados da EPE, devem ultrapassar o índice de 25%.

Aplicando-se os índices de evolução do consumo de eletricidade durante os anos de expansão econômica, sobre a evolução do PIB e projetando para os próximos dez anos, considerando as expectativas de atividade econômica expressas nos relatórios da EPE e do Ministério de Energia, o consumo total de eletricidade em 2027 pode alcançar 650.000 GWh, um crescimento de quase 40% sobre os índices atuais. Dessa forma, não é impossível que tenhamos um novo colapso no fornecimento de energia elétrica no País, bem antes disso.

A atual matriz energética está comprometida por suas limitações naturais e essa situação trará novas oportunidades de negócios, com sistemas alternativos de geração. É certeza que as termoelétricas trabalharão muito na próxima década, onerando as tarifas e consumindo, tanto recursos naturais como renováveis. A geração de energia eólica continuará expandindo-se no Nordeste e no Sul, a produção de grupo-geradores movidos a diesel ou a gás deverá crescer, enquanto a geração de energia fotovoltaica ainda precisa encontrar o seu lugar ao sol.

Novos negócios e investimentos alternativos

Grupos geradores (diesel e gás)

Conscientes do fato que o Brasil continuará crescendo e que o fornecimento de energia elétrica pode tornar-se um fator impeditivo, muitas empresas, condomínios e atividades essenciais vem optando por manter geradores em backup (emergência), ou até mesmo, utilizando esses equipamentos para reduzir o gasto com energia elétrica nos horários de pico, quando o custo do KWh é mais caro e assim, gerando uma economia que pode chegar até 25%.

O mercado de grupos geradores possui fornecedores e marcas consolidadas e o coração do equipamento consiste em um motor acoplado a um alternador, gerenciado por um painel de comando eletroeletrônico.

A Cummins, tradicional fabricante de motores diesel, assumiu recentemente a liderança no mercado de geradores. Segundo o executivo Luís Pasquotto, presidente da empresa no Brasil, o foco nas atividades de geração de energia é muito elevado. “Detemos atualmente, mais de 40% de participação no mercado brasileiro de geradores e continuamos investindo no negócio, no desenvolvimento do produto e na rede de distribuição e assistência. Entendemos que as formas naturais de oferta de energia elétrica no país não conseguirão atender à demanda em um futuro próximo e o mercado de grupos geradores deverá crescer ainda mais”.

De olho nesse mercado e nas oportunidades de expansão de negócios, a MWM, outra tradicional fabricante de motores diesel, acaba de entrar no setor de geração de energia, inaugurando uma linha de montagem para esse produto no Brasil. O presidente da empresa, José Eduardo Luzzi, disse que o setor de energia registra aumento da demanda de consumo e a empresa enxerga grandes oportunidades com o crescimento da economia nos próximos anos. “Nossa estimativa é que sejam vendidos mais de 10 mil geradores de energia por ano no Brasil. O FMI elevou as projeções para o crescimento do País e o melhor desempenho da economia resultará numa alta da demanda por energia, o que, somado à falta investimentos em infraestrutura nos últimos anos, impulsionará o mercado de grupos geradores”. O executivo ressaltou que os grupos geradores representam importante alternativa para o fornecimento de energia em muitos segmentos da economia, o investimento traz retorno, o prazo de instalação é rápido e os consumidores passam a ter uma alternativa flexível para uso contínuo, em horários de pico ou em emergência na indústria, comércio, condomínios, atividades essenciais e também no agronegócio.

A matriz energética no agronegócio

O setor agropecuário consome 5% da energia elétrica no Brasil e nele encontram-se grandes oportunidades de negócios para geração de energia própria, com entrega do excedente para a rede. É importante ressaltar que esse setor tem atuado como um hedging para a economia nos anos recentes, com sucessivas safras recordes e grandes investimentos em tecnologia, que fazem com que a produtividade em toneladas por hectare continue crescendo, ou seja, a área plantada não cresce na mesma proporção da produção de grãos, por exemplo. Segundo a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), a safra de grãos neste ano deve atingir 233 milhões de toneladas, com uma produtividade de 3,7 toneladas por hectare. Há dez anos a safra era de 140 milhões de toneladas e a produtividade, de 2,9 toneladas por hectare.

Assim como em toda a economia, o setor agropecuário também demanda energia e possui uma matriz que ainda apresenta elevado índice de utilização dos recursos não renováveis.

Os derivados de petróleo, gás natural e carvão mineral representam 55% das fontes para geração de energia nesse setor. Contudo, está nele uma grande oportunidade para instalação de sistemas mini, micro e médio geradores de energia com fontes renováveis, mas para isso, é preciso reduzir a burocracia legal e ambiental para um nível justo e o sistema financeiro fomentar a instalação de pequenos parques eólicos, fotovoltaicos e sistemas a gás procedente de biodigestores.

Segundo Marcelo Prado, presidente da MPrado Consultoria, especializada no agronegócio, o custo da energia para o setor é bastante relevante. As oportunidades de negócios para geração existem e o setor possui enorme potencial natural de oferta de energia excedente para a rede elétrica. “É fundamental que a legislação para esse setor seja simplificada. O bagaço da cana, por exemplo, é grande fonte de geração de energia e as demais alternativas, como eólico, fotovoltaico e sistemas biodigestores, precisam de mais incentivos governamentais. Acredito que as pequenas iniciativas bem-sucedidas dos produtores rurais se tornarão referências para o setor e fora dele”, completa o consultor.

Segundo estudos da Associação Brasileira do Agronegócio de Ribeirão Preto (ABAGRP), uma tonelada de cana de açúcar gera energia equivalente a 1,2 barril de petróleo.

Fontes eólicas e fotovoltaicas, longo retorno para o investimento

Vento e sol são recursos abundantes no Brasil e parece um contrassenso que essas duas fontes energia limpa ainda representem, apenas, 10% da capacidade instalada de geração de eletricidade no País.

Embora a geração eólica já seja bem mais difundida e a solar fotovoltaica, em maior escala, ainda esteja engatinhando, dois fatores atrapalham a expansão dessas fontes por aqui: algum desconhecimento da tecnologia e principalmente, o elevado custo.

Estudo de viabilidade econômica da MA8 Consulting aponta que o retorno do investimento, tanto para os equipamentos de geração eólica quanto solar, ainda requer um período longo. Em boa parte dos casos o ponto de equilíbrio real e dessazonalizado só é alcançado entre seis e oito anos, o que ainda é muito elevado, se comparado com grandes grupos geradores, individuais ou em instalações paralelas.

É esperado que o custo de investimento inicial e despesas de manutenção ao longo da operação sejam reduzidos, mas os órgãos governamentais precisam acelerar a simplificação de licenças, melhorar legislações locais e principalmente, financiamento.

Vale ressaltar que a geração de energia fotovoltaica, ainda em fase inicial no Brasil, possui a mesma capacidade instalada da geração de eletricidade termonuclear, ou seja, as centrais nucleares que consumiram tantos recursos ao longo de décadas e pouco retorno trouxeram ao país, de fato, tendem a perder importância rapidamente para as novas tecnologias, mais limpas, seguras e menos controversas.

Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), as usinas fotovoltaicas conectadas ao sistema interligado nacional (SIN) representam 1,2% da matriz elétrica, o que já ultrapassou a capacidade de produção das usinas de Angra I e Angra II. São nove usinas solares fotovoltaicas de grande porte operando nas regiões Nordeste, Sudeste e Norte, com destaque para Bahia, Minas Gerais e Piauí.

A entidade afirma que o Brasil possui 61.000 sistemas solares fotovoltaicos conectados à rede, somando mais de R$ 3,4 bilhões em investimentos acumulados desde 2012.

Para o presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR, Ronaldo Koloszuk, a energia solar fotovoltaica agrega inúmeros benefícios para o Brasil. “A fonte contribui para a redução de gastos com energia elétrica, atração de novos investimentos privados, geração de empregos, redução de impactos ao meio ambiente, menores perdas elétricas na rede de distribuição e alívio do sistema elétrico em horários de alta demanda diurna”.

Quanto ao setor de geração eólica, um pouco mais avançado no país do que a fotovoltaica, as projeções para os próximos anos animam o segmento e os investidores.

O Brasil tem hoje 14,8 GW de energia eólica de capacidade instalada e ao final de 2023 serão 19,4 GW, considerando apenas os contratos já assinados no mercado livre e leilões realizados e esse número deverá crescer ainda mais.

Para Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEOLICA), nossa matriz elétrica tem a admirável qualidade de ser diversificada e assim deve continuar. “Cada fonte tem seus méritos e precisamos de todas, especialmente se considerarmos que a expansão da matriz deve ocorrer, majoritariamente, por fontes renováveis. A escolha da geração por parques eólicos faz sentido do ponto de vista técnico, social, ambiental e econômico, já que tem sido a mais competitiva nos últimos leilões”.

Segundo estudos do Ministério de Minas e Energia e suas entidades vinculadas, as fontes de geração de eletricidade solar fotovoltaica, eólica e biomassa poderão representar, juntas, até 26% da energia elétrica ofertada no País em 2027.

É preciso evitar o colapso

Como mencionado no início, o Governo Federal possui plena visão e consciência da situação e do risco de apagões pontuais nos próximos anos com o crescimento da atividade econômica.

Para a MA8 Consulting Group, a atual matriz energética está condenada se não houver vultosos investimentos em todas as formas renováveis de geração de energia elétrica no país. Considera-se que investimentos em centrais e usinas hidrelétricas demoram muito tempo para colocarem em prática os projetos concebidos. O exemplo de Belo Monte não é um caso isolado.

É preciso evitar um colapso por falta de capacidade ou investimentos insuficientes no sistema de integração e distribuição. O Brasil não pode contar com a energia elétrica produzida nos países vizinhos na América do Sul, pois eles também têm seus problemas, suas demandas e projeções internas de crescimento. Talvez, realizar novos investimentos em usinas hidrelétricas binacionais, como previsto, não seja a melhor solução para o virtual cenário que se apresenta.

Há dois elementos fundamentais num país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, que afugentam investidores: insegurança jurídica e deficiência logística/estrutural e a questão energética encontra-se no DNA desse segundo elemento.

Investir no setor energético e na geração de energia limpa e renovável é mais que uma oportunidade de negócios, seja em conjuntos fotovoltaicos, eólicos, sistemas biodigestores, pequenas centrais elétricas e até mesmo, porque não dizer, em grupos geradores movidos a gás ou a diesel.

Investir nesse setor é assegurar o futuro do país e de todos os negócios. Infelizmente, muitas vezes o governo parece estar hipnotizado, subsidiando e concedendo benefícios fiscais para setores que, de fato, não necessitariam.

Orlando Merluzzi (*) – Abril/2019

(*) Sobre o autor: Consultor de gestão, conselheiro e palestrante, é engenheiro de produção eletrotécnica e administrador de empresas.

Nota: Essa matéria foi também publicada na Revista MundoCoop/ed.87, 2019

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