A linha do tempo da evolução dos telefones celulares vai se repetir, agora com os carros elétricos
A evolução dos telefones celulares sobre rodas até chegar ao carro autônomo passará pela consolidação do carro elétrico, em um mercado movido a incentivos financeiros. A competição selvagem do setor de vendas de smartphones tem muito a ensinar para as montadoras de veículos, mais com os erros do que com os acertos.
Há alguns anos observei que possuía uma gaveta cheia de aparelhos antigos de telefones celulares, um museu. Em quinze anos, oito modelos diferentes, ultrapassados e obsoletos que, nem mesmo para chamadas de voz serviam mais. A quantidade não era maior pois, descobri, tardiamente, que anualmente poderia trocar meu aparelho por um modelo mais novo na operadora, quase de graça.
Quais foram as principais mudanças tecnológicas nos telefones celulares nos últimos 25 anos? Peso, finalidade, capacidade de processamento, memória, conectividade, duração das baterias, câmeras que chegam a 48 megapixels, novos propósitos que colocaram em último plano, o objetivo inicial de fazer duas pessoas se comunicarem a distância, por voz, na criação de Antonio Meucci, o italiano inventor do telefone. Nota: o telefone não foi inventado por Graham Bell.
O que isso tem a ver com os carros elétricos e autônomos?
Muita coisa. Comparando-se as distorções de propósito entre o telefone como aparelho de comunicação e o carro como meio de transporte, os veículos elétricos atualmente ainda estão em um estágio inicial de evolução e as baterias íon de lítio, em poucos anos serão substituídas por baterias solid-state, mais densas, menores e o setor já trabalha no desenvolvimento de baterias em estado gasoso. A capacidade de processamento dos carros elétricos (um computador sobre rodas) acompanha a evolução das formas de conectividade e das telecomunicações. A tecnologia 5G viabiliza o carro autônomo e dessa forma, todo o histórico de evolução dos aparelhos de telefone celular deverá ser novamente observado na evolução dos carros elétricos, nos próximos anos.
O sucesso dos carros autônomos, no futuro, passa necessariamente pela consolidação da tecnologia e adoção pelo mercado, dos carros elétricos, sem imposição.
Obsolescência
As operadoras de telefonia resolveram parcialmente a questão, viabilizando a troca dos aparelhos antigos por mais modernos e capazes de processar novos aplicativos, que geram receitas adicionais para as próprias operadoras. Além do mais, um moderno smartphone não custa tão caro assim. Qual solução as montadoras de veículos elétricos darão para garantir o mercado dos carros elétricos usados, conforme os novos “sistemas operacionais veiculares” forem sendo adotados? Como farão com a questão das novas baterias? Na quase totalidade dos carros elétricos, o pack de baterias íon de lítio faz parte da estrutura do veículo. Sem movimentar o mercado de veículos usados, não haverá condições de expandir o mercado de novos e não se pode guardar carros elétricos desativados, nas garagens, como fazíamos com os aparelhos obsoletos de celulares, nas gavetas. Em outro artigo, aqui mesmo no Portal, falei sobre a necessidade das montadoras implantarem um sistema de recompra garantida para os seus veículos elétricos usados.
Mobilidade inteligente e economia compartilhada
Embora alguns discordem, por ideologia ou por necessidade, os entraves acima são reais e exigirão muita criatividade comercial (e pós-venda) para implementar, de forma consistente, uma nova cultura numa sociedade ainda em desenvolvimento. Podemos estar vendo o embrião do início do fim dos atuais modelos de negócio dos fabricantes de veículos e distribuidores e o surgimento de novos conceitos de prestação de serviços, onde as operadoras de telefonia móvel passariam a prestar serviços de mobilidade inteligente compartilhada, tudo por assinatura. Um dia, seus netos assinarão um serviço de transporte autônomo e os carros puramente elétricos serão peças de museu, assim como aquele antigo Motorola PT 950, que ainda guardo na gaveta como recordação do tempo em que um aparelho de telefone celular podia ser utilizado como arma.
Bem, no Brasil tudo isso vai demorar muito e fica apenas como roteiro de ficção para um filme ou livro.
Orlando Merluzzi