Mudar agora a Lei 6729 e os contratos de concessão é um campo minado para o setor.
Tenho alertado, há anos, que a Lei Ferrari é muito boa para os dois lados e deve ser preservada. Mudar agora a Lei 6.729/8.132, como defende um significativo grupo empresarial, é um campo minado perigosíssimo para as concessionárias, nem tanto para as fabricantes.
O maior impacto que as novas tecnologias de comunicação, mobilidade e experiências de consumo omnichannel terão no setor automotivo, já bate à porta das concessionárias de todas as marcas.
Montadoras tornam-se empresas de tecnologia
É preciso muita atenção para os movimentos e tendências que vão afetar o setor como um todo e isso vai além da chegada dos carros elétricos e autônomos ao mercado.
Algumas montadoras caminham no sentido de tornarem-se empresas de tecnologia, influenciando o comportamento dos consumidores, o modo de fazer negócios e o papel das concessionárias, que podem passar a ser empresas de TI, com oficina, estoque de peças e um grande portal no “big data”.
A Lei 6729/79 (Lei Ferrari), parcialmente alterada pela Lei 8132/90, define o relacionamento entre as montadoras e as concessionárias e se for respeitada e bem gerida durante o casamento, trata-se de uma excelente âncora para os dois lados. As peculiaridades desse relacionamento comercial são (ou deveriam ser) definidas em “convenções de marca” e a diretriz é dada pela Primeira Convenção das Categorias Econômicas dos Produtores e dos Distribuidores de Veículos Automotores (PCCE), assinada em 1983.
Não adianta as redes de concessionárias reclamarem do grande volume de vendas diretas para locadoras, porque “Inês é morta”. Houve, ao longo dos anos, um consentimento tácito das associações de revendedores quanto a esse tema e a preocupação agora é outra, muito maior e talvez nem todas as associações tenham notado que o processo de mudança deve resultar em demanda de alterações na Lei Ferrari e por consequência, nos contratos de concessão.
Com as novas tecnologias muda o modelo de negócios e o controle sobre os produtos, dados dos clientes e acesso às operações de vendas e assistência, as quais irão se concentrar, ainda mais, nas mãos das fabricantes. Contudo, as redes de concessionárias continuam sendo a “galinha dos ovos de ouro” de todas as marcas, apesar de, em alguns casos, serem apenas atores coadjuvantes.
Contrato de concessão, um símbolo pétreo
Outro tema sensível refere-se aos contratos de concessão. Contrato não se muda, salvo motivos de força maior (aqui entendidos como uma hecatombe setorial ou mudança na Lei).
Algumas marcas já ensaiam mudar os contratos de concessão para acomodar o novo cenário tecnológico, ofertas de novos serviços e novas formas de fazer negócios e vender. Ao mudar o contrato de concessão, o novo desenho deve ser estendido, obrigatoriamente, a todas as concessionárias da rede, afetando direitos adquiridos.
Com a chegada desse novo ambiente é mandatório que as montadoras e as concessionárias, por meio de suas associações, revejam o tradicional modelo de relacionamento, sem alterar três fundamentos básicos: técnico, político/diplomático e legal.
Se algo precisa ser mudado, que seja feito nas Convenções de Marca
São tantas as novidades para o setor que, em uma análise superficial, diríamos que a regulamentação das relações entre fabricantes e redes de concessionárias, vigente há quase cinco décadas, não foi feita para conviver com o novo ambiente tecnológico dos negócios no setor automotivo, se, não houvesse a PCCE. É importante que as redes de concessionárias e as fábricas comecem a redesenhar as suas convenções de marca e repensar a forma de relacionamento interno e externo, antes que seja tarde e alguma decisão seja tomada unilateralmente.
É preciso muito cuidado para abordar esse tema, responsabilidade e transparência. Minha recomendação é que, qualquer mudança seja realizada nas convenções de marca, negociadas e acordadas entre as partes, e não no contrato de concessão.
Em mais de trinta anos atuei diretamente na gestão de redes de concessionárias de carros, caminhões, ônibus, máquinas e conheço bem os anseios e angústias dos dois lados, fabricantes e revendedores. É muito saudável quando as partes se toleram em momentos de turbulência e se amam na bonança, afinal, ao assinarem o contrato de concessão celebraram um casamento, com ônus e bônus.
Orlando Merluzzi (*)
(*) – CEO na MA8 Consulting, gestor, consultor, palestrante e âncora no Portal Pensamento Corporativo. Atua no setor automotivo há 35 anos.