O Brasil tem desafios estruturais, sociais, culturais, econômicos e regulatórios para serem transpostos, antes de alcançar o mesmo nível do setor automotivo nos países desenvolvidos.
A tecnologia dos carros elétricos, híbridos ou célula de combustível, possui elevadíssimos custos de produção que não serão reduzidos significativamente nos próximos anos, ao contrário do que se espera. A evolução tecnológica costuma acelerar a obsolescência em detrimento da redução de preços e o país não oferecerá, tão cedo, vendas no mercado interno em escala que sustente os grandes investimentos das montadoras, necessários para mudar o produto e o modelo de negócios.
As redes de recarga e as vendas de carros elétricos ou híbridos, no mundo, dependeram (e ainda dependem) de incentivos fiscais e tributários. As contas públicas do Brasil estão severamente comprometidas pelos próximos anos e isso, certamente, será uma barreira ao desenvolvimento desse mercado, nas mesmas condições.
“O mercado automobilístico brasileiro não comporta uma virada de chave por decreto, para uma nova tecnologia, ainda desconhecida, que impactará negativamente na indústria nacional, pois a escala local não sustentará operações de marcas com baixo volume, restando a elas a importação e o risco de abandonarem o país“
O custo da irresponsabilidade e oportunismo
A cadeia automotiva brasileira representa mais de 20% do PIB industrial e deve ser protegida de regulações impositivas que estabeleçam regras inalcançáveis.
Tramita no Senado Federal um perigoso projeto de Lei que institui a política de substituição dos automóveis movidos a combustíveis fósseis. Proíbe a venda de veículos novos movidos a gasolina ou diesel a partir de 2030 e a circulação de qualquer automóvel com motor a combustão a partir de 2040. (Fonte: Agência Senado).
Pontos positivos e negativos do Projeto de Lei nº 304/2017
Positivos
1. Obriga a indústria automobilística nacional a acompanhar a evolução da indústria global, demandando novos investimentos no país.
2. Obriga o setor de telecomunicações a se equiparar aos países desenvolvidos, pois a nova tecnologia, imposta pelo PL, demanda conectividade plena.
3. Eleva o Brasil ao mesmo nível de preocupação com o meio-ambiente dos demais países desenvolvidos e ou comprometidos com as políticas globais de redução de emissões.
Negativos
1. Não define as políticas fiscais, tributárias e incentivos que tornem o carro elétrico viável economicamente, tanto para o produtor quanto para o consumidor e isso inclui a formação de redes de recarga, públicas e privadas.
2. Não define o destino para mais de 60 milhões de veículos a combustão em circulação no ano de 2040 (projetados), quando a frota será proibida de circular.
3. Coloca sob risco a Petrobrás e as distribuidoras de combustíveis no país.
4. A proibição dos motores a combustão “matará” a tecnologia flex, algo que o Brasil domina, tanto na produção primária do setor sucroenergético, quanto na produção de veículos e no aftermarket, com elevado impacto na economia.
5. O volume de vendas será reduzido, afetando o setor automotivo. Haverá demissões, inevitavelmente.
6. Estabelece, antecipadamente, uma Lei Brasileira sobre uma tecnologia ainda em fase de desenvolvimento no mundo, sendo um produto com depreciação acelerada e evolução constante, principalmente na questão das baterias. Daqui 20 anos a tecnologia e o produto serão outros, completamente diferentes e nada garante que a fonte primária de energia, para o veículo, será elétrica.
7. Não leva em consideração se o mercado consumidor irá aceitar a nova tecnologia.
8. Traz grande risco para a economia, uma vez que o mercado automotivo brasileiro representa menos de 3% das vendas mundiais e os investimentos necessários no parque produtivo não se pagam, podendo afugentar algumas montadoras do Brasil, antes das datas finais, previstas no projeto de Lei.
“A referida proposta em tramitação no Senado demonstra desconhecimento sobre os setores industrial, automobilístico e econômico, podendo causar um impacto negativo irreversível para o país. O setor automotivo engloba, montadoras, fornecedores, redes de concessionárias, logística de distribuição e sistemas financeiros agregados, além do fato que, a frota circulante é um patrimônio dos consumidores (proprietários)“
Quando falamos em energia limpa e renovável, a estratégia mais adequada para o Brasil deve estar ancorada no etanol para os carros de passeio, apoiando nosso setor sucroenergético, protegendo o patrimônio dos consumidores, o setor de distribuição de combustíveis renováveis e a economia do aftermarket. Em paralelo, mas não de modo exclusivo, uma política para carros elétricos que incentive as fabricantes de veículos e componentes a gerarem empregos no Brasil.
O custo da irresponsabilidade em seguir e impor diretrizes externas mercadológicas e tecnológicas, as quais ainda não são adequadas à nossa realidade, pode ser muito alto para o país, hipotecando o futuro do setor automotivo e de toda cadeia de fornecedores, distribuidores e agentes financeiros.
Orlando Merluzzi *
* Conselheiro independente de administração, estrategista, consultor e sócio gestor da MA8 Consulting, atua no setor automotivo há mais de 35 anos.