E agora, quanto vale a minha concessionária?
Houve época em que ser concessionário de veículos era um negócio glamoroso e símbolo de status. Havia praticamente quatro marcas que detinham 98% do mercado. A profissionalização do negócio era algo distante e os vendedores nem precisavam levantar das cadeiras para vender, os clientes vinham até eles.
A zona de conforto levou à primeira onda de quebradeira, quando o mercado se tornou mais competitivo e as fabricantes passaram a demandar profissionalismo de gestão de suas redes. Muitos concessionários não estavam preparados, menos ainda os seus sucessores.
A evolução das concessionárias de veículos se confunde com a própria evolução da tecnologia e dos novos modelos de gestão e governança. Contudo, o modelo de negócios estruturado em comprar e revender, ganhar comissão sobre vendas diretas, atender em oficina e vender peças, permaneceu inalterado. Entre as principais demandas que sobreviveram ao tempo, cotas, planos de vendas, manutenção de estoques, índices de desempenho, guias de instalações, identidade corporativa, linhas de crédito, garantias reais, treinamentos e mais algumas coisas que, quando colocadas na balança do demonstrativo financeiro, nem sempre o fiel pende para o lado do retorno adequado sobre os investimentos na concessão.
Grandes grupos se formaram com administração centralizada, representando várias marcas e esses encontraram o melhor caminho para a lucratividade e geração de valor.
A próxima onda chegou e vai mudar o modelo de negócios e a forma de ganhar dinheiro nas redes de concessionárias
Com a chegada de novas tecnologias, carros elétricos, híbridos, células de hidrogênio, veículo por assinatura, compartilhamento, utilização por demanda, menor senso de propriedade etc., a forma das concessionárias fazerem negócios sofrerá alteração, ao mesmo tempo em que o atual modelo de vendas e prestação de serviços para carros com motor a combustão permanecerá ativo por décadas. Teremos dois modelos de negócios convivendo em paralelo, o modelo tradicional e um novo virtual, inteligente, disruptivo, em que as montadoras terão total controle sobre os consumidores e as concessionárias, nem tanto. Uma gestão moderna e alinhada com as demandas é fundamental para o sucesso. Serão necessárias novas convenções de marca entre fabricantes e associações e a elaboração de uma convenção de marca costuma esconder alguns perigos.
Os novos modelos de negócios exigirão ainda mais investimentos, enquanto as vendas de carros elétricos crescerão muito lentamente. Algumas marcas prometem grandes evoluções tecnológicas alinhadas com o potencial energético disponível no país, entre elas, novas fontes de energia atreladas ao setor sucroenergético, o que dará ao Brasil um protagonismo em veículos movidos a energia limpa e renovável. Particularmente, aposto minhas fichas nessa solução.
Um novo dilema: vender o negócio ou comprar mais uma concessionária?
Haverá pressão natural das fabricantes para modernização das redes de concessionárias, em adição ao atual modelo de negócios que requer garantias reais, linhas de crédito, estoques, atendimento aos padrões definidos pelas marcas e a navegação entre os bônus, premiações e incentivos dos programas “Dealer Standards”, que nem sempre beneficiam, igualmente, a rede toda.
Para os titulares de concessionárias que se sentem um pouco cansados e com quase nenhuma disposição para assumir novos riscos, talvez este seja o momento ideal para considerar deixar o negócio: vender é uma opção. Contudo, para os que têm energia e vontade, permanecer no negócio é uma decisão correta e fazer novos investimentos será necessário. As projeções de valor do negócio para os próximos anos estão atrativas, tanto para quem vende, quanto para quem compra. O momento pode ser bom para os dois lados, dependendo da marca de veículos representada.
Quanto vale uma concessionária de veículos? (valuation)
O valor de uma concessionária no Brasil não se calcula pelo método do “múltiplo de EBITDA” e os métodos tradicionais de avaliação de empresas também não se adequam. Geralmente, os concessionários vendem o negócio (fundo de comércio) e não vendem o CNPJ, permanecendo com alguns ônus, bônus e direitos da empresa que se perdem na transição. São raros os casos em que o novo investidor em uma concessionária adquire, também, o CNPJ e seus riscos.
A avaliação do valor de uma concessionária de veículos requer mais do que certificados acadêmicos e literaturas de finanças corporativas. É necessário experiência no negócio para projetar os fluxos de caixa de cada “departamento comercial”, isolados das questões patrimoniais ligadas ao CNPJ, definir uma taxa de desconto e um beta de risco específico (o qual nem mesmo o Professor Aswath Damodaran, maior autoridade mundial em valuation de empresas, disponibiliza em seus relatórios). A isso, acrescenta-se uma análise exclusiva que se refere ao negócio no Brasil, onde cada caso é um caso e em todas as vezes que fizemos laudos de avaliação de concessionárias, seja para compra ou para a venda, os métodos utilizados necessitaram ajustes-finos para a ocasião.
Minha recomendação para os concessionários mais antigos, em dúvida, independentemente da marca que representam, além da identificação de um valor justo para o negócio é ponderar se, estaria ele disposto a enfrentar todas as mudanças no modelo e formas de fazer negócios, previstas para os próximos anos, acrescido da pergunta crucial: estaria disposto a assumir os novos riscos?
É possível projetar um cenário favorável para os próximos dez ou quinze anos no setor de mobilidade e distribuição de veículos no Brasil. Risco faz parte do negócio e é por isso que todos os métodos de avaliação incluem um “beta de risco” no cálculo da taxa de desconto que compõe o custo do capital dos acionistas. Quem não quer correr riscos poderá investir no mercado financeiro, em fundos conservadores, mas não terá a mesma emoção e talvez, nem os mesmos rendimentos que o negócio poderá trazer.
Orlando Merluzzi