Redes de concessionárias. Quanto vale o Fundo de Comércio e como calcular o valor de uma concessionária?

Ainda vale a pena comprar uma concessionária de automóveis?

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Há muito esforço por parte de montadoras para conquistar e manter uma elevada participação de mercado e isso tem uma razão comercial e estratégica. Abastecer uma rede de concessionárias, presente em todo território nacional e mantê-la saudável, requer maiores volumes de vendas e ampla gama de modelos e versões. Para algumas montadoras, porém, a posição em participação de mercado não é tão importante e isso também faz parte de uma estratégia que prioriza, em alguns casos, a rentabilidade da operação e o valor das franquias, mas não é uma regra para todas as marcas com participação de mercado muito baixa.

Conquistar ou perder “market share” impacta diretamente no valor do Fundo de Comércio, na imagem de marca e no valor de revenda dos veículos usados.

O Fundo de Comércio no setor automotivo e o valor das empresas

Calcular o impacto de um ponto percentual de participação de mercado da marca no Fundo de Comércio é bem mais complexo do que as tradicionais fórmulas de avaliação de empresas que, em geral, utilizam múltiplos de EBITDA ou fluxo de caixa livre descontado. O valor de uma concessionária no Brasil não se calcula pelo método do “múltiplo de EBITDA” e os métodos tradicionais de avaliação de empresas também não se adequam. Geralmente, os concessionários vendem o negócio (fundo de comércio) e não vendem o CNPJ, permanecendo com alguns ônus, bônus e direitos da empresa que se perdem na transição. São raros os casos em que o novo investidor em uma concessionária adquire, também, o CNPJ e seus riscos.

A avaliação do valor de uma concessionária de veículos requer mais do que certificados acadêmicos. É necessário, experiência no negócio para projetar o fluxo de caixa de cada “departamento comercial”, isolados das questões patrimoniais ligadas ao CNPJ, definir uma taxa de desconto e um beta de risco específico (o qual nem mesmo o Professor Aswath Damodaran, maior autoridade mundial em valuation de empresas, disponibiliza em seus relatórios). A isso, acrescenta-se uma análise exclusiva que se refere ao negócio no Brasil, onde cada caso é um caso e em todas as vezes que fizemos laudos de avaliação de concessionárias, seja para compra ou para a venda, os métodos utilizados necessitaram ajustes-finos para a ocasião. O cálculo correto deve englobar elementos específicos do negócio automotivo e as fórmulas utilizadas na avaliação de empresas de outros setores, não funcionam aqui.

A definição de Fundo de Comércio no mercado automobilístico vai muito além daquela aceita jurídica e contabilmente, como sendo o conjunto de bens e capital, tangíveis ou intangíveis, corpóreos ou incorpóreos, que viabilizam a atividade, o negócio e sua continuidade.

O valor de um ponto percentual de participação no mercado automobilístico deve ser identificado diferentemente por marca. É por meio desse cálculo que definimos, por exemplo, quais redes de concessionárias podem ser chamadas de “Blue Chips”. Ele leva em conta a análise da vida útil dos veículos vendidos, com comportamentos diferentes do parque circulante em curto, médio e longo prazos.

Por que tudo isso? Porque a absorção do pós-venda é um conceito fundamental no negócio, tanto para montadoras, quanto para as concessionárias. Administrar esse ativo requer competência e depende da previsibilidade do futuro da própria marca. Como exemplo, pense em um empresário que comprou uma concessionária Ford automóveis há dois anos, sem analisar a “desconstrução” do fundo de comércio da marca, coisa que a linha de participação de mercado já vinha sinalizando, claramente, há muito tempo. Agora, imagine que ele tenha pago ágio pela “bandeira” e apostado na rentabilidade futura do pós-venda para bancar os custos fixos da operação. Uma adequada análise não o teria levado a tal investimento.

Fatores que não podem faltar na equação do Fundo de Comércio

Além do histórico do desempenho comercial da marca e rentabilidade das áreas de vendas e pós-venda, fatores como índices de retenção dos clientes, recompra dentro da própria marca e ponto de fuga, são muito importantes. Uma boa forma de resumir esse conceito é quando o cliente deixa de frequentar a rede de concessionárias ao término do período de garantia (ou até mesmo antes disso) e passa a comprar peças e serviços no mercado não oficial.

O ponto aqui não é ter perdido o cliente ao término do período de garantia, mas sim, compreender os elementos que fizeram a marca perder o cliente desde o primeiro dia da venda do veículo novo.

Calcular o valor do negócio no setor automotivo exige ampla visão das peculiaridades da cadeia logística, manufatura, operações comerciais, gestão da rede de distribuição e comportamento do consumidor. Este é um bom exemplo de uma análise automotiva que não pode ser realizada por algoritmos binários, ou por inteligência artificial.

A próxima onda chegou e vai mudar o modelo de negócios e a forma de ganhar dinheiro nas redes de concessionárias

Com a chegada de novas tecnologias, carros elétricos, híbridos, células de hidrogênio, veículo por assinatura, compartilhamento, utilização por demanda, menor senso de propriedade etc., a forma das concessionárias fazerem negócios sofrerá alteração, ao mesmo tempo em que o atual modelo de vendas e prestação de serviços para carros com motor a combustão permanecerá ativo por décadas. Teremos dois modelos de negócios convivendo em paralelo, o tradicional e um novo virtual, inteligente, disruptivo, em que as montadoras terão total controle sobre os consumidores e as concessionárias, nem tanto.

Os novos modelos de negócios exigirão ainda mais investimentos, enquanto as vendas de carros elétricos crescerão muito lentamente. Algumas marcas prometem grandes evoluções tecnológicas alinhadas com o potencial energético disponível no país, entre elas, novas fontes de energia atreladas ao setor sucroenergético, o que dará ao Brasil um protagonismo em veículos movidos a energia limpa e renovável. Particularmente, aposto minhas fichas nessa solução.

Ainda vale a pena comprar uma concessionária de veículos?

Se você já atua no mercado de distribuição de veículos e possui uma boa dose de energia com resiliência, a resposta é sim! Apesar dos altos e baixos da economia, que sempre existiram, o mercado automobilístico brasileiro continuará em crescimento por muito tempo e acompanhará a chegada das novas tendências da mobilidade. Contudo, se você não é do ramo e pretende entrar nele, recomendo cuidado e muito estudo. Capital intensivo com rentabilidade variável, esse negócio pode causar dores de estômago, mas também, dar muitas alegrias.

Há um processo contínuo de consolidação de algumas redes e quando uma concessionária é colocada à venda a lista de interessados é enorme, geralmente investidores que já fazem parte da própria rede. Esse cenário, infelizmente, não é realidade para todas as marcas, principalmente para aquelas com “market share” muito baixo e futuro incerto.

Ao fazermos laudos técnicos de avaliação de concessionárias, há casos em que o valor do negócio (sem o CNPJ) surpreende os próprios acionistas, mas há casos em que o valor esperado pelos donos e herdeiros não é alcançado. Tudo vai depender da marca representada e do apetite do potencial comprador. 

O atual momento é bom para quem vende e para quem compra

Minha recomendação para os concessionários mais antigos, em dúvida, independentemente da marca que representam, além da identificação de um valor justo para o negócio é ponderar se, estaria ele disposto a enfrentar todas as mudanças no modelo e formas de fazer negócios, previstas para os próximos anos, acrescido da pergunta crucial: estaria disposto a assumir os novos riscos?

É possível projetar um cenário favorável para os próximos dez ou quinze anos no setor de mobilidade e distribuição de veículos no Brasil. Risco faz parte do negócio e é por isso que todos os métodos de avaliação incluem um “beta de risco” no cálculo da taxa de desconto que compõe o custo do capital dos acionistas. Quem não quer correr riscos poderá investir no mercado financeiro, em fundos conservadores, mas não terá a mesma emoção e talvez, nem os mesmos rendimentos que o negócio poderá trazer.

Quanto ao impacto de um único ponto percentual de “market share” no Fundo de Comércio, para um mercado brasileiro de três milhões de veículos por ano, poderá representar, segundo cálculos da MA8, até duzentos e cinquenta milhões de dólares por ponto percentual, dependendo da marca, da posição em participação, tradição, histórico e do parque circulante.

Orlando Merluzzi  *


 

* Conselheiro de administração, estrategista, consultor de empresas e sócio gestor da MA8 Consulting, atua no setor automotivo há mais de 36 anos.

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