A falta de “chip semicondutor” não é a única razão pela qual faltam carros novos no Brasil. Para compreender o comportamento do mercado automobilístico e do setor automotivo, é preciso ler as entrelinhas deste gráfico.
As condições econômicas que fizeram o mercado saltar de 1,4 milhão de veículos em 2003 para 3,8 milhões em 2012, não mais estão presentes em nossa economia e não há chances de serem repetidas nesta década. O mercado automobilístico cresce em função da combinação de vários fatores, por alguns anos seguidos. Entre os mais importantes estão:
- Previsibilidade, empregabilidade e crédito
- Inflação baixa (apesar das oscilações)
- Disponibilidade de financiamento e taxas de juros atrativas
- Valorização do Real e do poder de compra
- Competição no varejo e oferta de produtos
- Demanda consistente previsível e não pontual reprimida
- Programas governamentais abrangentes, que incentivem as montadoras a produzir e investir no país.
Hoje, esses elementos estão desalinhados e as projeções futuras não são animadoras. Em adição a isso, os preços dos carros novos dispararam, o poder aquisitivo caiu, a inflação acelerou, o consumidor mudou seu comportamento, a mobilidade inteligente se sobrepôs ao desejo do carro na garagem, os financiamentos não são mais possíveis como antes, a paridade cambial inverteu e os carros atuais possuem, em média, 42% de componentes importados; com o câmbio atual o custo variável da operação derruba qualquer “business case”.
Faltam carros novos, não apenas pela falta de “chips”, mas também porque, em alguns casos, aumentar a produção para atender a demanda reprimida pode ser um mau negócio e representar prejuízos para fabricantes e concessionárias.
A última vez que o mercado vendeu com margens cheias por tanto tempo e até ágio, foi em 1986 e 1987.
Tão logo o volume disponível de carros novos aumente, as margens irão cair, o varejo ofertará descontos e os preços precisarão ser ajustados. Assim, assumir um plano sólido de aumento de produção envolve compromissos longos com fornecedores e com a matriz, coisa que, no atual cenário, irá requerer coragem dos gestores. Com tudo isso, repetir os volumes anuais de vendas acima de 3,5 milhões de veículos, só mesmo olhando o gráfico dentro do “box” tracejado. O atual parque instalado no Brasil não é mais de 5 milhões de veículos por ano, mas de 4 milhões e “capacidade ociosa” não é um termo muito bem recebido nas matrizes de algumas montadoras (posso assegurar isso).
Os próximos três anos no setor automotivo brasileiro poderão redefinir o futuro de algumas marcas no país e de algumas redes de concessionárias. Muita cautela com novos investimentos.
O setor automotivo no Brasil representa “mais” de 20% do PIB Industrial, quando incluímos o “aftermarket“. Lembre-se: PIB é consequência; não é causa!
Orlando Merluzzi (*)
(*) – Sócio-gestor na MA8 Consulting, conselheiro independente de administração, estrategista e especialista em planejamento estratégico, atua no setor automotivo há 37 anos.