Governança Corporativa para grupos concessionários de veículos automotores

Um ponto de ruptura na cadeia de valor.

  • De que forma as particularidades do relacionamento entre concedentes e concessionárias podem influenciar nas boas práticas de governança corporativa.

Implantar a modernização da gestão e colocar em prática um sistema sólido de governança corporativa, em um grupo concessionário de veículos, requer conhecimento de especificidades do setor e principalmente, do modelo de relacionamento entre a concessionária e sua concedente. Nenhum processo de governança corporativa pode ser implementado como se fosse um produto de prateleira, pois, cada caso é um caso, apesar de regras e princípios definidos para Governança Corporativa pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).

Relembrando alguns desses princípios: “governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas, com normas de relacionamento entre sócios, conselho, diretoria, órgãos de fiscalização, controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da empresa, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, credibilidade, longevidade e o bem comum. Possui como princípios básicos a transparência de informações e ações, tratamento justo e isonômico entre sócios e demais partes interessadas, prestação de contas e a ampla responsabilidade corporativa”.

A evolução da gestão das concessionárias de veículos automotores

A grande maioria dos atuais grupos concessionários de veículos de passeio, no Brasil, tem origem em empresas familiares e muitos iniciaram os negócios nas décadas de sessenta e setenta. Hoje, consolidam-se com a terceira geração da família. Praticamente, todos começaram representando uma única marca: Volkswagen, Chevrolet ou Ford, depois veio a Fiat. Atualmente, há grandes grupos que representam várias marcas ao mesmo tempo, com dezenas de concessionárias, mas também, empresas familiares que se mantiveram fiéis a uma única marca e cresceram dentro de sua representação exclusiva.

Ao longo das últimas quatro décadas, muitas famílias empreendedoras se fortaleceram nos negócios automotivos e diversificaram atividades, expandindo para a agroindústria, serviços, veículos comerciais, máquinas, equipamentos, implementos e setor atacadista. Tornaram-se grupos controladores. Também, é fato que alguns “impérios” da distribuição de veículos se desintegraram ao longo do período, basicamente por falta de sucessão e ausência de planejamento estratégico.

A profissionalização da gestão dos negócios automotivos é fundamental para a sobrevivência das marcas e das próprias concessões, independentemente se a gestão do grupo concessionário é feita pela família ou por profissionais de mercado. A boa governança corporativa irá assegurar que os interesses da montadora e dos concessionários sejam atendidos. Quanto ao desempenho comercial, dependerá da qualidade da gestão e da competência profissional.

Uma nova fase no setor automotivo (tecnologia, gestão ambiental e metaverso)

Estamos chegando em um novo ciclo de tecnologia e desenvolvimento sustentável, em que os motores a combustão conviverão por décadas com veículos elétricos, híbridos e células de combustível.

A inteligência artificial, criptomoedas e computação quântica serão tão naturais quanto a nova economia que surge com o metaverso, um mundo virtual ilimitado para experiências reais do cliente. Haverá formas diferentes de fazer negócios, em um modelo de representação de marcas que talvez não sobreviva no futuro.

Tudo vai mudar, desde o comportamento do consumidor, até o modo de ganhar dinheiro no mercado automobilístico.

Duas reflexões sobre um novo cenário no setor automotivo

  1. Estariam as montadoras preparadas para atuar em um mercado muito diferente daquele dos países desenvolvidos, com produtos para os quais não há fronteiras e tecnologias que podem não suceder em alguns locais?
  2. Estariam os grupos concessionários conscientes de que as redes perderão importância na cadeia de valor, no futuro?

Para as duas perguntas a resposta é provavelmente, sim. Contudo, a governança e gestão dos negócios precisa se adequar, estrategicamente, ao que vem pela frente e nesse ponto afirmo que boa parte dos grupos concessionários ainda não fez a lição de casa (algumas montadoras também não). Mais do que implementar processos confiáveis de governança e gestão, os comitês independentes de estratégia e risco assumirão papel importante para o setor de distribuição de veículos.

Ao falar em governança corporativa, devemos considerar o conceito que equilibra as relações entre sócios, administradores, gestores e no caso das concessionárias de veículos, a montadora. Isso faz com que a estrutura de governança corporativa do negócio seja um pouco diferente das demais empresas de capital aberto ou fechado. A começar pelo “propósito”, pois as concessionárias são espelhos e representam os valores e princípios da marca concedente.

A prática de uma boa governança corporativa é fundamental para que a organização possa evoluir e criar valor para os acionistas, clientes e para a montadora. Por meio dela, a empresa tem o seu “Norte estratégico”, assegura o alinhamento dos interesses e os princípios estruturais e operacionais que garantem a confiança no negócio e nas pessoas.

Um ponto de ruptura na cadeia de valor

Um dos pontos críticos nessa cadeia de valor de governança e gestão está na relação entre a concedente e as concessionárias, em que a transparência de dados e ações nem sempre se observa. Algumas montadoras, por contrato, podem realizar auditorias nas concessionárias, enquanto estas não podem auditar as concedentes. Outro ponto, muitas vezes nebuloso está no princípio da equidade de tratamento. As decisões da concedente são tomadas em comitês internos, nos quais as concessionárias não participam e vice-versa em relação às decisões do grupo concessionário. Alinhar modelos de governança corporativa é um grande desafio nessa relação.

Estrutura da Governança em um Grupo Concessionário (Fonte: MA8)

governança em concessionárias

Não é excesso afirmar que há algum despreparo entre as partes no relacionamento e na aplicação da boa governança corporativa.

Assim, se olharmos para os conceitos, princípios e práticas da governança corporativa do IBGC e os sobrepusermos no negócio de distribuição de veículos no Brasil, teremos dificuldade para encaixar algumas peças.

Muitas montadoras possuem sólida governança corporativa, mas às vezes pecam em alguns princípios no momento de envolver um de seus principais “stakeholders”, a rede de concessionárias.

Um olho no presente e outro no futuro

Do lado dos grupos concessionários é chegado o momento de atuar estrategicamente, olhando para o futuro, sem deixar de fortalecer o negócio no presente. Deve-se implementar a boa governança corporativa e caso o grupo concessionário já tenha passado por esse processo, incluindo a formação dos sucessores e até mesmo a própria sucessão, recomendo reavaliar as condições da governança para um novo e iminente cenário.

Enquanto a gestão do grupo concessionário planeja, executa, age, controla toda a operação e se relaciona com a concedente, uma governança corporativa específica para o negócio de concessionárias deve fiscalizar a gestão, seja por conselho consultivo independente, seja pelo conselho familiar capacitado para isso, ou pela formação de um conselho misto. Não é necessária a formação de um conselho de administração (cujas responsabilidades de conselheiros são fiduciárias). Contudo, é fundamental que a estrutura viabilize o trabalho de comitês independentes de auditoria e fiscal, comitê de risco e principalmente, o comitê de estratégia, o qual deverá olhar para uma descentralização dos investimentos com a finalidade de proteger o grupo e os acionistas de um futuro incerto no negócio de distribuição de veículos no Brasil.

Em tempo, o negócio de distribuição de veículos não irá acabar por causa da nova mobilidade inteligente e sustentável, mas mudará muito nos próximos anos e surgirão novas formas de fazer negócio, ganhar dinheiro, relacionar-se com clientes e com as próprias fabricantes.

Por fim, não menos importante, o pilar de sustentação das boas práticas de governança corporativa composto pelas normas de conduta e ética do negócio, as quais, de agora em diante precisam conjugar, também, os verbos do ESG.

Implementar as boas práticas de governança corporativa nos grupos concessionários não requer mudança de valores e princípios familiares ou corporativos, mas a modernização da gestão, necessária para a sobrevivência dos negócios, irá aprimorá-los naturalmente.

Orlando Merluzzi (*)


(*) Sócio da MA8 Management Consulting, conselheiro independente de administração e especialista em estratégia, gestão e governança, atua no setor automotivo há 37 anos, dos quais, 30 anos dedicados ao relacionamento entre montadoras, concessionárias e associações de marca.


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