“Uma longa jornada, com oportunidades, riscos e muitos desafios que poderão atrasar os planos globais para o setor automotivo nas próximas décadas.”
No setor automotivo, dez anos passam muito rápido em termos de planejamento, desenvolvimento, acertos, erros e decisões a serem repensadas. Uma entre milhares de lições que a indústria automobilística nos ensina, é que nada é definitivo em termos de planejamento estratégico e sempre deverá haver uma porta de saída emergencial. Os elementos envolvidos na equação são instáveis e como exemplo de fragilidade, bastou um período de cinco anos de crise econômica no Brasil para que a Ford deixasse o país (2021), após o presidente da GM ter ameaçado fazer o mesmo (2019). Lembro que, há dez anos, a Ford anunciava investimentos de mais de um bilhão de dólares por aqui e há seis anos a Mercedes-Benz inaugurava uma fábrica de carros em Iracemápolis, com investimentos anunciados de seiscentos milhões de reais; menos de quatro anos depois, a empresa encerrou as atividades da fábrica que foi, posteriormente, assumida por uma montadora chinesa.
Muitas montadoras de carros e caminhões instaladas no Brasil possuem, também, uma fábrica de motores, mas com os carros elétricos não será tão simples trazer fábricas de baterias para o país, mesmo porque, os investimentos iniciais são bilionários, as baterias estão em constante evolução e os carros elétricos sofrerão obsolescência acelerada. Isso significa que a atual tecnologia de bateria, seja ela composta por íons de Lítio: NCA (Níquel, Cobalto, Alumínio), NCM (Níquel, Cobalto, Manganês) ou LFP (Fosfato de Ferro), em dez anos poderá ser substituída por novos elementos nos cátodos, ânodos e eletrólitos, mudando processos de fabricação e principalmente projetos. As baterias em estado sólido chegarão em breve, menores, mais densas em carga, mais leves, mais duráveis e seguras, mantendo o Lítio em sua composição e incluindo novos elementos nobres; as atividades de mineração, extração e beneficiamento permanecerão.
Nota: A NASA divulgou que se encontra avançado o desenvolvimento de uma bateria com eletrólito em estado sólido (solid state-SSB), com Lítio na composição, Enxofre e Selênio (SSSSB) Solid State Sulfur Selenium Battery. A densidade chegou a 500Wh/kg. Isso significaria uma redução de até 40% no peso das atuais baterias íon de Lítio, eliminando o temido risco de incêndio que já ocasionou vários recalls pelo mundo. O produto tem como objetivo os equipamentos militares e aéreos, mas chegará aos carros em escala industrial. Há muitas empresas desenvolvendo baterias SSB, que deverão chegar ao mercado em escala de produção regular até o início da próxima década; é o que estimam alguns fabricantes e institutos de pesquisa e desenvolvimento. Japoneses e sul-coreanos estão na frente da corrida pela nova tecnologia e sinalizam que terão as baterias em estado sólido na segunda metade desta década.
Há muito esforço no desenvolvimento de novos “acumuladores de energia” para o setor de transportes, afinal, a eletrificação não ficará restrita aos veículos terrestres (on road). Aviões e navios, além de máquinas de construção, mineração e equipamentos agrícolas, também terão que entrar na rota da energia limpa, renovável e “redução da pegada de Carbono” e isso requer investimentos e financiamento, lembrando que todo dinheiro investido em novas tecnologias de eletrificação precisará retornar aos investidores. Em relação à cadeia de suprimentos, alguns países tentam se desvencilhar da enorme dependência da China, o que não será fácil, pois os chineses estão soberanos no beneficiamento dos elementos químicos nobres e na produção das baterias para veículos elétricos (ver gráfico no Anexo I, ao final da matéria).
Dessa forma, voltando ao setor automotivo no Brasil, a decisão de investir localmente em uma fábrica de bateria, onde a produção automotiva representa menos de 3% da produção mundial de veículos (ver gráfico 1) e o mercado para veículos elétricos possui limitações estruturais e econômicas, é um grande risco a ser mensurado. Uma fábrica de baterias, aqui, só seria viável a partir da etapa de fabricação dos módulos, a etapa 5 (ver gráfico 2) e as células continuariam sendo importadas; isso representa mais da metade dos custos do produto.
Gráfico 1
Hiperlink: Leia a matéria sobre: A jornada das baterias dos carros elétricos; da extração e produção, à utilização e descarte.
Gráfico 2
Mais razão; menos paixão e empolgação.
Para entender as oportunidades e os riscos desse novo mercado no Brasil, é preciso despir-se de paixões e empolgação pelas novas tecnologias, antes de tecer uma análise descontaminada. Os desafios são inúmeros e os olhos das grandes fabricantes, no mundo, estão voltados para a Ásia, América do Norte e Europa, que, juntas, representam mais de 85% do mercado mundial de veículos e quase 90% da capacidade financeira para investimentos e financiamento.
Os desafios da eletrificação e mobilidade inteligente para os próximos anos, são muitos e afetam o mundo e o Brasil de forma diferente (ver gráfico 3). Os países menos desenvolvidos estarão sujeitos ao risco do distanciamento tecnológico, a partir da chegada das novas tecnologias nos maiores mercados automotivos globais.
Gráfico 3
DESAFIOS GLOBAIS
Meio ambiente, direitos humanos, sustentabilidade, ESG, commodities, washing
Sustentabilidade é o fim; desenvolvimento sustentável é o processo. O que se busca é preservar os recursos naturais e sua capacidade de regeneração, quando possível, de modo que as gerações futuras também possam utilizá-los em suas atividades socioeconômicas e para isso, ações ambientais devem ser conduzidas com responsabilidade. Isso envolve todo setor de extração, produção, transporte, prestação de serviços e consumo.
A redução das emissões de ‘gases de efeito estufa’ (GEE) é o grande pano de fundo para o desenvolvimento das novas tecnologias da eletrificação, mas não é o único. Theodore Levitt, em sua obra prima, Miopia em Marketing, publicado na Harvard Business Review, 1960, afirmou que “as empresas terão que programar a obsolescência daquilo que hoje é o seu ganha-pão, para que possam sobreviver no futuro”. A combinação das entrelinhas dessa frase, com a urgente necessidade da redução das emissões de CO2 nos conduzem ao momento atual e a uma certa imposição de nova agenda na indústria automobilística; a eletrificação. Em seu texto de 1960, Ted Levitt também antecipou “as grandes pilhas elétricas”.
Veículos Elétricos x ESG
As baterias e os carros elétricos requerem, cada vez mais, a mineração, extração e processamento (beneficiamento) de metais e elementos químicos nobres, tais como Lítio, Manganês, Níquel, Cobalto, Bauxita, Grafite, Cobre, entre outros e alguns metais de Terras Raras. Por trás dessas atividades ocorrem grandes danos ambientais e em alguns casos, maiores até que a extração e produção de petróleo, além de graves violações aos direitos humanos em países que utilizam mão-de-obra infantil, ou mão-de-obra em condições de extrema de insalubridade – – A ONU está repleta de denúncias. Aqui está um dos maiores desafios da eletrificação, com o discurso do ambientalmente e socialmente responsável; evitar o Greenwashing e o Socialwashing. Tentar associar a produção de veículos elétricos com os fundamentos do ESG será, sem dúvida, o calcanhar de Aquiles dessa transformação. Esses ‘washings’ não são apenas estratégias de marketing e propaganda enganosas, mas também conceitos falhos e mal-entendidos sobre a abrangência e os limites do próprio ESG.
Quanto mais o mercado demandar soluções limpas de geração e armazenamento de energia, mais os preços das commodities subirão e com eles, o distanciamento do poder de compra e de utilização dos veículos elétricos. As vendas anuais de carros elétricos ainda não chegaram a 10% da produção global (entenda-se EUA, Europa e Ásia) e o preço do Lítio saltou mais de 1.300% em dois anos (ver gráfico 4). Considerando que a participação dos carros elétricos na produção anual deva chegar a 50% até 2035 e que, até lá, as baterias em estado sólido (SSB) já estarão em produção regular, as quais utilizam o dobro da quantidade de Lítio que as atuais, pode-se projetar que o novo patamar de preços do metal nos próximos anos será ainda muito mais elevado. De uma forma pragmática, sabendo que os custos das baterias representam metade dos custos dos veículos elétricos novos, a única maneira possível, em poucos anos, de os preços dos carros elétricos chegarem ao mesmo nível de preços dos atuais carros com motor a combustão interna, seria as montadoras aumentarem os preços dos carros movidos a combustão ou produzirem carros elétricos muito espartanos, algo que o mercado não aceitará.
Gráfico 4
Algumas agências de pesquisa em energia e grandes consultorias internacionais já indicam que não haverá oferta suficiente de minerais nobres e Terras Raras nas próximas décadas, para atender a demanda por construção de baterias e dessa forma, estimam que mais de 20% dos elementos e metais necessários deverão vir da reciclagem das baterias antigas, o que dificultará a segunda vida das baterias em unidades estacionárias, pois a reciclagem tenderá a ser economicamente mais atrativa que a reutilização remanufaturada. Segundo a BMI (Benchmark Mineral Intelligence), há pouco mais de quarenta minas ativas de Lítio no mundo e a demanda projetada a partir de 2040 irá requerer algo como duzentos e setenta minas; não se abre uma mina de Lítio e a coloca em produção plena com tanta facilidade; o tempo de maturidade pode chegar a sete anos. Estenda isso para os outros minerais nobres que serão demandados no mesmo ritmo. Por isso, a reciclagem no futuro será uma atividade fundamental e como todo empreendimento, demandará recursos e financiamento. A expansão das atividades de mineração ao redor do mundo resultará em um cenário contraditório, sob potenciais críticas do movimento ambientalista global. Um estudo assinado por Mark P. Mills, do Manhattan Institute, mostrou que são necessários movimentar, em média, 230 toneladas de terras em mineração para a obtenção dos elementos químicos e metais nobres contidos em uma única bateria íon de Lítio de 430kg de um carro elétrico pequeno; é o peso da bateria do modelo Bolt da GM, por exemplo.
A dependência da China
A China domina a produção mundial de baterias, nas etapas mais importantes da cadeia, desde a mineração ou o processamento dos minerais, à produção dos eletrodos e separadores, sem os quais as células de baterias não existem. A partir daí a produção de módulos e packs passa a ser personalizada e é na etapa do pack que ocorre a inclusão dos sistemas de gestão da bateria e refrigeração do conjunto. Algumas agências internacionais aumentaram as projeções de hegemonia da China na produção dos componentes das baterias, projetados para 2030. Atualmente, próximos a 80%, podem atingir 90% até o final desta década e em especial, a fabricação dos cátodos (um dos eletrodos), o qual leva em sua composição, além do Lítio, Níquel, Cobalto e Manganês, ou fosfato de Ferro e óxido de Alumínio. A crise dos semicondutores foi o aperitivo do que poderá acontecer até o final desta década e assim será pelas próximas duas décadas, até que uma nova ordem de poder geopolítico-tecnológico se estabeleça de forma equilibrada. Enquanto houver predominância, concentração e controle da mineração, processamento, beneficiamento e produção dos componentes das baterias, a nova indústria automobilística global, pautada por tecnologia, eletrificação e mobilidade inteligente, estará vulnerável.
Hiperlink: Leia o artigo completo sobre o Risco China
A emissão de gases de efeito estufa e as fábricas de baterias (gigafactories)
Os carros de passeio, no mundo, representam menos de 9% na emissão total de CO2 e os caminhões e ônibus, representam pouco mais de 7%. Juntos, carros e veículos pesados emitem, aproximadamente, 16% do dióxido de carbono na atmosfera, por meio de seus “escapamentos”. O segmento de transportes responde por 22% da emissão de CO2 e ele também é composto por aviões, trens, navios e outros equipamentos (ver gráfico 5). Seu impacto na composição dos gases de efeito estufa é ainda menor, pois o CO2 está presente em 75% dos GEE. É certo que o tempo de permanência na atmosfera do CO2 é diferente do metano e do óxido nitroso, mas o setor de Transportes não é o vilão. Veja no gráfico o impacto dos setores de geração de eletricidade e industrial. A redução da “pegada de Carbono”, por meio do banimento dos motores a combustíveis fósseis, tem sua importância na causa, mas terá pouco impacto efetivo na questão dos gases de efeito estufa, a não ser atender a outros interesses econômicos.
Principais atividades emissoras de CO2 do planeta:
- 42% – Geração de eletricidade
- 22% – Transportes
- 21% – Indústria
- 15% – Outras atividades e residências
Gráfico 5
A origem da eletricidade e a capacidade das fábricas de baterias
Dois grandes desafios e pontos de fundamental importância nos planos globais de eletrificação e armazenamento de energia, são a capacidade de produção das baterias e a própria origem da geração da eletricidade. Quanto à capacidade das gigafactories, deve estar relacionada, não só à produção de baterias para veículos elétricos on road e off road, como para os equipamentos de comunicação, computação, smartphones e até equipamentos militares. O mundo, hoje, possui capacidade de produção de baterias entre 700GWh e 900GWh e precisará de mais de 5.000GWh (ou 5TWh) daqui a dez anos, para suportar a demanda estimada, se os planos de eletrificação vingarem. Isso exigirá a construção de, aproximadamente, mais duzentas fábricas, com investimentos estimados da ordem de quinhentos e cinquenta bilhões de dólares (incluindo R&D), um valor similar ao PIB da Suécia, para o qual ainda não há previsão de recursos. Tais investimentos serão, majoritariamente, privados e dependerão do humor da economia global para que possam ocorrer e gerar retorno aos investidores. Assim como a extração e oferta de minerais nobres para produção de baterias não teria como atender à demanda ao início da próxima década, se os volumes previstos se confirmarem, a construção das novas gigafactories não se dará apenas com projetos no papel; é preciso recursos, financiamento e empenho. Quanto à geração de energia limpa e renovável, há um abismo entre o discurso e a prática na Europa, EUA e China, que ainda dependem e dependerão por muito tempo, de eletricidade gerada a partir da queima de combustíveis fósseis e não renováveis.
Essa situação é um balde de água fria nos discursos de grandes influenciadores em favor das novas tecnologias da mobilidade elétrica inteligente, como única forma de reduzir a emissão de CO2 nos transportes. Ao analisarem os benefícios da emissão de gases de efeito estufa, a partir do uso dos veículos, demonstram desconhecimento sobre os danos socioambientais gerados no início da cadeia produtiva das baterias e até mesmo nos equipamentos eólicos e fotovoltaicos, que também utilizam em seu processo de produção, conteúdo e minerais nobres (alguns extremamente tóxicos) que podem dificultar a reciclagem.
Nota: Devido à complexidade desta matéria, não abordarei em detalhes outros modelos de negócios e geração de eletricidade nos veículos a partir do Hidrogênio (cinza, azul e verde), veículos elétricos com células de combustível e veículos com motores a combustão movidos a gás e a biometano; são todas soluções de baixa emissão de GEE, mas nem todas economicamente viáveis até o momento, em termos de custos (como é o caso dos caminhões movidos a células de hidrogênio, que atualmente apresentam custo cinco-vezes maior que os mesmos veículos movidos com motores diesel).
Hiperlink: Leia, posteriormente, a matéria: O futuro da Indústria Automobilística no Brasil e os desafios para os próximos anos.
DESAFIOS LOCAIS (Brasil)
O Brasil terá que enfrentar desafios estruturais e mercadológicos próprios, além daqueles globais mencionados anteriormente. Todos impactarão diretamente a economia e podem trazer algum risco de desindustrialização no futuro, caso não sejam conduzidos com responsabilidade, por entidades e comissões do setor industrial, sindical e legislativo. É preocupante que tenhamos projetos de lei tramitando no Senado e na Câmara dos Deputados, que obriguem as montadoras instaladas no país a produzirem somente carros elétricos no início da próxima década. A irresponsabilidade de seguir a onda externa, sem a devida adequação à nossa realidade, poderá resultar em danos irreparáveis para a economia. Lembro que, juntos, o setor automotivo oficial e o aftermarket representam, aproximadamente, 6% do PIB brasileiro.
De forma objetiva, os principais desafios do Brasil para acompanhar as demandas globais por redução das emissões de GEE e criar um mercado de veículos eletrificados que atraia investidores e viabilize o retorno dos investimentos, são:
- Obsolescência acelerada e perda de valor do bem;
- Manter a força do setor sucroenergético (etanol, açúcar e bioenergia);
- Viabilizar os canais de distribuição no novo modelo de negócios;
- Desenvolver um mercado de veículos elétricos usados (para permitir a recorrência das vendas de novos);
- Financiar e criar a estrutura de recarga em um país com dimensões continentais;
- Proteger o setor de ‘aftermarket’ que, isoladamente, representa 2% do PIB;
- Fortalecer a economia e assegurar o poder de compra das pessoas;
- Financiar e incentivar a compra dos carros elétricos, como ocorre na maioria dos países em que o mercado está desenvolvido (o Brasil não tem recursos para isso e as questões sociais se sobrepõem em prioridades);
- Evitar o risco industrial do desinteresse futuro das montadoras pelo mercado.
Obsolescência acelerada e perda de valor do bem
Trata-se de um desafio que envolve a tecnologia e as questões culturais. No Brasil, o carro é patrimônio. A evolução das baterias e da tecnologia dos veículos fará com que os modelos elétricos de hoje percam valor, acentuadamente, em um futuro mercado de usados, que ainda nem foi desenvolvido. O ponto estrutural do problema é a necessidade de substituição das baterias com sete ou oito anos de uso, período que pode ser reduzido pela metade se o usuário do veículo elétrico utilizar, regularmente, as estações de recargas rápidas e ultrarrápidas. As atuais baterias íon de Lítio, com eletrólitos não-sólidos, têm sua vida útil reduzida pela criação de dendritos (cristais) com o excesso de cargas rápidas. Essa situação é real, pouco divulgada e impactará diretamente no desenvolvimento de um mercado de veículos elétricos usados, pois o valor do bem será depreciado na medida em que o momento de troca da bateria se aproximar. Reflexão: você compraria um carro elétrico usado, com cinco anos de uso, sabendo que precisará substituir a bateria em breve? A resposta, provavelmente é sim, desde que o preço do veículo usado leve isso em consideração e uma bateria pode custar mais da metade do preço de um carro novo. Agora, imagine-se do outro lado, em que você é o vendedor.
Etanol, a melhor solução de descarbonização sob nosso controle
O setor sucroenergético brasileiro é um exemplo de competência, sustentabilidade e fomento à economia, produzindo em apenas 1% do território nacional o etanol, açúcar e bioenergia. Trata-se de um setor que gera empregos e pode permitir que o Brasil seja um dos protagonistas mundiais na tecnologia de redução da ‘pegada de Carbono’ no setor de transportes. O gráfico 6 mostra uma situação incômoda para os países desenvolvidos, onde encontram-se as sedes das principais montadoras globais, uma vez que nenhuma tecnologia de eletrificação, hoje, combinada com a matriz energética europeia, norte-americana ou asiática, emite menos CO2 que o etanol na matriz energética brasileira.
Gráfico 6
Hiperlink: Leia: Os carros elétricos não passam no teste “da mina à roda” do ESG
“Aftermarket”
Existe grande contribuição econômica gerada pelo mercado de reposição, vendas de peças, componentes e serviços, o qual atua além das fronteiras das montadoras, seus fornecedores e suas redes de concessionárias. O “mercado paralelo”, como é conhecido no Brasil, contribui significativamente para a geração de empregos e atendimento em todo território nacional, seja no atacado ou no varejo. Historicamente, esse mercado desenvolveu-se por questões culturais, logísticas e econômicas e atende a um parque circulante, geralmente fora do período de garantia dos fabricantes, de mais de trinta milhões de veículos. Com o crescimento das vendas dos carros elétricos, em poucas décadas, esse mercado tende a desaparecer e com ele haverá o impacto negativo na economia, que poderá ser ainda pior, caso as montadoras deixem de produzir no Brasil, por inviabilidade econômica, e passem a importar os veículos.
A tecnologia com motor interno de combustão movido a etanol, o carro híbrido a etanol e os veículos comerciais movidos a biometano, poderiam manter, por décadas, a estrutura econômica que respalda o setor automotivo, fornecedores, distribuidores e o aftermarket, protegendo a economia, sem deixar de considerar a existência de uma parcela do mercado automotivo brasileiro destinada à venda dos carros elétricos puros, com baterias. Haverá espaço para todos os gostos e bolsos, mas não se iluda, o mercado de veículos com motor de combustão interna continuará ativo por muito tempo.
Por fim, é fundamental que a cadeia automotiva brasileira se alinhe em pensamentos e discursos sobre a eletrificação, orientando as comissões legislativas e os formadores de opinião para a realidade, necessidade de adaptação e importância de tomar decisões responsáveis, que protejam a indústria, os empregos e a economia. Não se pode alterar, por decreto, a forma de fazer negócios, produzir e consumir, muito menos o modo de pensar e a cultura do consumidor. O mercado tem oportunidades locais e regionais, mas é limitado em volume, poder de compra e atratividade para os grandes investimentos em novas tecnologias; a conta não fecha e as empresas do setor automotivo não são entidades beneficentes. Por isso, deve-se preservar as características dos bons exemplos de sucesso, como o caso do etanol, o grande potencial bioelétrico do setor sucroenergético e o biogás/biometano a partir do agronegócio.
Autor: Orlando Merluzzi (*)
(*) Sócio da MA8 Consulting, conselheiro independente de administração, consultor e especialista em gestão, governança e planejamento estratégico, é palestrante e atua no setor automotivo há 37 anos. Engenheiro Eletrotécnico e Administrador de Empresas, é o criador do Portal Pensamento Corporativo.
Fontes utilizadas: IEA | BMI | OICA | BNEF | ONU | Portal oleodieselnaveia.com | MA8 | Mark P. Mills | NASA
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Matéria – Desafios e Riscos da Eletrificação – Novembro 2022