A jornada das baterias dos carros elétricos. Da produção ao descarte; desafios, riscos e oportunidades.

  • Mudanças nas estratégias de supply chain

As baterias continuarão sendo, por muito tempo, a parte mais sensível do negócio de carros elétricos no mundo e o que está por trás da chegada dessa tecnologia é a redução da “pegada de Carbono” e a oportunidade de grandes empresas destacarem-se e criarem uma nova ordem de poder econômico e influenciador. Contudo, trata-se de uma tecnologia ainda distante do direito de ser chamada de “tecnologia verde”.

Independentemente disso, “business is business” e os carros elétricos estão causando uma revolução nos modelos de negócios das montadoras e das redes de concessionárias nos países desenvolvidos. No caso das montadoras, grandes parcerias e investimentos multibilionários já foram anunciados no desenvolvimento de novas tecnologias (na busca da viabilidade comercial das baterias com eletrólitos em estado sólido, ou em tecnologias que reduzam a dependência do Cobalto em sua composição). Esses investimentos, em quase sua totalidade, estão direcionados para EUA, Europa Ocidental e Ásia e incluem a construção de gigafactories. Foi isso que tirou a Ford do Brasil e pode colocar sob risco futuro, outras marcas aqui presentes. 

Quatro grandes desafios a serem vencidos.

A recente falta de semicondutores, que provocou a queda na produção mundial de veículos e o aumento de seus preços, agravado pelo efeito Rússia para o Níquel (maior exportador mundial até então), chamaram a atenção do setor automotivo e de países comprometidos com as iniciativas de veículos elétricos e a redução da emissão de gases de efeito estufa, sobre a necessidade de ampliar, estrategicamente, a cadeia de suprimento dos elementos críticos do processo de produção. Mas não foram só os semicondutores. Alguém sabia da importância da Ucrânia na produção e fornecimento de chicotes elétricos para a indústria automobilística? Assim, as estratégias de supply chain na produção dos carros elétricos devem mudar, drasticamente, nos próximos três anos.

A mineração de metais e elementos nobres, produção de baterias, utilização, reciclagem e descarte, enfrentam uma longa jornada (demonstrada no infográfico) e nela estão contidos quatro grandes desafios estratégicos: Geopolítico, Socioambiental, Financeiro e Mercado.

A JORNADA DAS BATERIAS DA MINA AO LIXO
A JORNADA DAS BATERIAS

Desafios 1 e 2 – Desafios geopolíticos, com impacto na cadeia de suprimento e gestão socioambiental.

As matérias-primas utilizadas nas baterias são, em quase sua totalidade, commodities minerais extraídas em poucos países e muitas delas processadas e refinadas na China. A extração do Cobalto, Níquel, Cobre, Manganês, Lítio e alguns metais Terras Raras, em muitos países, está longe de ser amiga do meio ambiente e em alguns casos, com condições não aceitáveis aos melhores padrões de trabalho e direitos humanos (exemplo: República Democrática do Congo, maior produtor mundial de Cobalto, com graves denúncias, por órgãos internacionais de direitos humanos, de trabalho infantil e elevados índices de periculosidade e insalubridade). Esse exemplo do Congo não é o único e são situações conflitantes para os países desenvolvidos, grandes produtores ou consumidores de carros elétricos, que proclamam as práticas ESG como propósito.

É possível que, estrategicamente e em curto espaço de tempo, países desenvolvidos (destinos certos de dezenas de novas gigafactories de baterias e veículos elétricos, planejadas para os próximos anos), alterem sua cadeia de fornecedores, quando possível, para países livres de conflitos políticos e sociais. Nota: Os EUA, por meio de sua Secretaria de Governo para Energia, anunciaram que farão isso e outros países devem seguir a sugestão. Segundo nota do Governo Americano, “é preciso garantir o acesso às matérias-primas e materiais refinados, assim como identificar alternativas para os minerais críticos em suas aplicações comerciais e de defesa”.

Desafio 3 – Financiamento.

Desafios financeiros terão impacto na capacidade das empresas em financiarem as pesquisas e desenvolvimento das novas baterias, assim como a construção de dezenas de gigafactories que serão necessárias para entregar, em 2030, algo como 3,2TWh de capacidade de produção anual de veículos elétricos, o que viabilizaria vendas anuais de 30 milhões de veículos elétrico e híbridos. Nota: em 2021, o mundo produziu pouco mais de 6 milhões de veículos eletrificados. Os planos de volumes de produção de baterias devem considerar, também, a capacidade extra para o aftermarket e a substituição das baterias usadas. Assim, todo processo de reutilização das baterias, como armazenagem e fornecimento de energia para residências ou pequenas unidades de produção industrial e comercial, reciclagem ou remanufatura, irão requerer grandes investimentos do setor privado, sem contar os investimentos necessários para financiar as redes públicas de recarga ao longo dos territórios, em todos os países.

Desafio 4 – Mercado.

Aqui, um ponto sensível que envolve produto, tecnologia, conscientização e principalmente, aspectos culturais. Dependerá de preços competitivos, incentivos fiscais, aceitação do próprio produto e sua tecnologia, a qual evolui rapidamente e torna os produtos obsoletos em pouco tempo. A questão das baterias no aftermarket é fundamental para viabilizar o mercado de veículos elétricos usados; sem um mercado de usados desenvolvido, as vendas de novos não crescerão como planejado. Com as baterias custando metade do preço de um veículo novo, adquirir um veículo elétrico com alguns anos de uso pode tornar-se um risco para o consumidor, com impacto negativo na experiência do cliente.

A jornada das baterias, em busca da economia circular

O infográfico exclusivo é autoexplicativo e mostra as principais etapas dessa jornada.

Da mineração à produção; da utilização das baterias às alternativas antes do descarte final.

Para que os negócios de baterias de Lítio possam entrar em economia circular, é fundamental resolver os desafios e o primeiro passo deve ser dado nas questões estratégicas da geopolítica e socioambientais. Se não houver práticas críveis de ESG na cadeia e a certeza de fornecimento de matérias-primas e processamento, desde seu ponto inicial, muitos países verão suas estratégias de descarbonização comprometidas e as empresas começarão a enfrentar dificuldades para financiar a próxima etapa, a construção das gigafactories.

A Europa voltou a queimar Carvão

Um infeliz exemplo atual, o qual a Europa vivencia em 2022, é o fato de que alguns países se esqueceram, rapidamente, das questões ambientais que tanto propagam e reativaram, em semanas, a utilização da queima de carvão para gerar energia elétrica, consequência da crise de suprimento do gás russo. Isso me faz crer que os conceitos e engajamento dos países desenvolvidos na redução da “pegada de Carbono”, possuem seu lado frágil e ele está diretamente ligado aos movimentos geopolíticos e disputas pelo poder global. De uma forma mais simples eu diria que muita água ainda irá passar por debaixo da ponte da descarbonização e dos novos negócios, antes das novas tecnologias firmarem-se como solução e vou além, os preços dos carros elétricos, no mundo, ainda irão subir muito, afinal, mais de setenta por cento das baterias dos carros elétricos são componentes minerais, nobres, raros ou preciosos, sujeitos ao humor do mercado, do aumento da demanda e outros interesses. Nesse caso, os preços das commodities sobem, mais ou menos como ocorre hoje com o preço do petróleo e como sempre digo, as montadoras não são entidades beneficentes e os investimentos precisam ser pagos.

Estima-se que, nos próximos dez anos, as pesquisas e desenvolvimento em baterias (R&D) e construção de novas gigafactories consumirão investimentos superiores a quinhentos bilhões de dólares, um valor similar ao PIB da Suécia. (Fontes: IEA, BNEF, BI e MA8)

Uma tecnologia nova, disruptiva e cara, como essa, não pode gerar insegurança em produtores, consumidores e agentes financiadores, muito menos nos concessionários.

Orlando Merluzzi  (*)


(*) Sócio na MA8 Consulting Group, estrategista de negócios e especialista em gestão e governança, é consultor, conselheiro de administração, palestrante e atua no setor automotivo há 37 anos.

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