O concessionário no divã. O retorno!

Para um concessionário de veículos, “dilema” é a necessidade de escolher entre duas saídas contraditórias e igualmente satisfatórias. O que muda no negócio? A busca por novas respostas para perguntas antigas e recorrentes.

concessionario no divã parte 5 - O RETORNO

Há alguns anos publiquei a série O Concessionário no Divã, em quatro capítulos. Altos e baixos da economia, cobranças e mudanças de direção nas montadoras, a chegada de novos concorrentes, questões conflituosas de sucessão familiar e gestão, prejuízos acumulados, incertezas e oportunidades. A cada nova depressão no mercado de veículos no Brasil, novas sessões no divã eram necessárias.

Alguns concessionários tinham dificuldade em lidar com as adversidades do cotidiano e com elas a chegada de novas tecnologias, demandas socioambientais e a solicitação de mais investimentos, o que causava, muitas vezes, relacionamentos conturbados entre as concessionárias e as montadoras.

Na vida de um concessionário de veículos nada é fácil e não há espaço para zona de conforto. Quando as coisas parecem que vão acalmar, surgem mudanças nas decisões das montadoras em relação ao formato da rede, com a finalidade de reestruturar a representação, imagem e capilaridade, buscando, em geral, o aumento do valor das franquias e da marca. As montadoras não implementam uma nova estratégia de rede sem terem junto, um plano de expansão dos negócios e competitividade no novo mercado. Muitas vezes, as orientações vêm da matriz e a mais recente é a alteração do formato de distribuição no país com a chegada dos carros elétricos, mudando do atual modelo de concessionárias para agentes, o que certamente irá esbarrar na legislação especial vigente. Como ter parte da rede de distribuição e serviços sob as regras da Lei Ferrari e parte da rede sob as regras análogas à Lei 4.886/65 e ao capítulo XII do Código Civil? Um desafio que exigirá diplomacia, entendimento, experiência e boa vontade de todos os lados. É preciso compreender as novas estratégias antes de criticá-las e se fizerem sentido, tentar viabilizá-las.

A grande maioria das montadoras no Brasil possui um competente corpo gestor que reporta para suas matrizes. Quando alguma coisa vai mal por aqui, trocam as peças e em ocasiões extremas, fecham as portas. Mas, para as concessionárias ou distribuidores, quando a situação se torna extrema, não existe a matriz para socorrer com soluções que reduzam as dores locais.

Para o concessionário no divã, permanece a velha dúvida: Por que entrei nesse negócio de distribuição de veículos e por que eu continuo nele? Bem, assim começou a série em 2015, após um período impressionante de crescimento do mercado automobilístico entre 2006 e 2013, seguido de solavancos econômicos que extinguiram boa parte das redes de concessionárias entre os anos de 2015 e 2019.

Quem sobreviveu, saiu com algumas cicatrizes na alma e no patrimônio.

O divã pode não ser o único caminho

Um concessionário, em uma grande região metropolitana, certa vez me disse que “estava no negócio porque não sabia fazer outra coisa e o que faz, faz bem. Ganhou e perdeu dinheiro, cresceu junto com o mercado automobilístico, com a marca que representa e se tivesse oportunidade compraria mais concessionárias”. Assim ocorre com muitos empresários do setor. Contudo, é interessante analisar um comportamento característico que poucos conseguem compreender. Se você perguntar sobre o negócio, para um concessionário tradicional, provavelmente ele dirá que as coisas estão difíceis, as margens muito baixas, o futuro é incerto, a fábrica é complicada, os filhos não se interessam pelo negócio etc. etc., mas quando a montadora abre a possibilidade de nomeação de uma nova concessionária em algum local, ou um concessionário demonstra o desejo de vender, a fila de interessados é enorme e geralmente, composta, inicialmente, por concessionários da própria marca.

Minha definição de “Dilema”: é a necessidade de escolher entre duas saídas contraditórias e igualmente satisfatórias.

Novo dilema no divã: vender a concessionária ou comprar mais uma?

Quanto vale o negócio? Ainda vale a pena comprar uma concessionária de veículos no Brasil? Se você já atua no mercado de distribuição de veículos, tem dinheiro para isso e possui uma boa dose de resiliência, a resposta é sim! Apesar dos altos e baixos da economia, que sempre existiram, o mercado automobilístico brasileiro continuará interessante e acompanhará a chegada das novas tecnologias, podendo, inclusive, criar soluções próprias para redução das emissões de carbono, energia limpa e renovável. As montadoras aproveitarão esse momento para fazerem mais uma seleção no canal. Contudo, se você não é do ramo e pretende entrar nele, recomendo cuidado e ajuda de uma assessoria especializada.

A avaliação do valor de uma concessionária de veículos requer mais que certificados acadêmicos e literaturas de finanças corporativas. Não há perpetuidade e não se pode vender “a bandeira”, pois pertence à montadora, mas em compensação, o valor do fundo de comércio assume características muito valiosas.

Se você quiser saber como é feito o cálculo correto do valor de uma concessionária, no Brasil, poderá acessar este link: Quanto vale uma concessionária de veículos e como calcular o ‘valuation’.

O dilema dos concessionários mais antigos, independentemente das marcas que representam, não é apenas quanto ao valor do negócio e a oportunidade de vender. A questão é: estaria ele disposto a enfrentar as mudanças no modelo e formas de fazer negócios, previstas para os próximos anos? Estaria disposto a assumir novos riscos e preparado para enfrentar outro período de vacas magras?

O que muda no negócio?

A forma de fazer negócios e ganhar dinheiro sofrerá alterações com a chegada dos carros puramente elétricos, ao mesmo tempo que o atual modelo de vendas e prestação de serviços para veículos com motor a combustão permanecerá ativo. Há a preocupação de outros fabricantes (além da Ford) deixarem o país e se tornarem, apenas, importadoras de veículos elétricos em médio prazo, conforme a estratégia global da marca em atender América do Norte, Europa e Ásia (que representam, juntas, 88% do mercado mundial). Portanto, para alguns concessionários, o risco de colocar todos os ovos em uma única cesta precisa ser reavaliado.

Os novos modelos de negócios exigirão mais investimentos, enquanto as vendas de carros elétricos crescerão muito lentamente. Algumas marcas prometem grandes evoluções tecnológicas alinhadas com o potencial energético disponível no país, entre elas, novas fontes de energia que podem dar ao Brasil um protagonismo em veículos movidos a energia limpa e renovável, principalmente com o setor sucroenergético e a bioenergia.

Haverá pressão das fabricantes para modernização das redes e da gestão, tudo em adição ao tradicional modelo de negócios, que requer garantias reais, linhas de crédito, estoques, atendimento aos padrões definidos pelas marcas e a navegação entre os bônus, premiações e programas de incentivos.

Ao olhar para os últimos anos e relembrar todas as vezes em que o concessionário deitou-se no divã, é possível projetar um cenário diferente para o futuro, com novas oportunidades, mas também com alguns riscos. O risco faz parte do negócio e é por isso que todos os métodos de avaliação incluem um “beta de risco” no cálculo da taxa de desconto que compõe o custo do capital dos acionistas. Quem não quer correr riscos poderá investir em outros negócios, mas não terá a mesma “emoção” de ser um concessionário e talvez, nem os mesmos rendimentos e valorização que o negócio poderá trazer, se bem administrado. Contudo, não basta ter dinheiro para ser um bom concessionário; é preciso vocação.

Nos últimos dois anos, quem não ganhou dinheiro no negócio de carros ou caminhões precisa rever seus conceitos de gestão, pois até o mercado voltou a pagar ágio por alguns modelos, coisa que não ocorria no Brasil desde 1987. As margens e resultados operacionais das concessionárias (e também de algumas montadoras) ganharam reforço com a alta demanda e falta de produtos, mas isso acabou. Há pouco tempo faltavam semicondutores (chips) e sobravam clientes ávidos pela compra; agora, várias fábricas anunciaram férias coletivas e suspensão das linhas de montagem, com a alegação que “os clientes sumiram”. O mercado automobilístico no Brasil é assim, emocionante. A história se repete e isso coloca novamente o concessionário no divã, buscando novas respostas para perguntas recorrentes.

Para os concessionários em dúvida com o futuro, o divã recomenda que, quem tem energia e disposição permaneça no negócio, administre os riscos e continue fazendo aquilo que sabe fazer bem. Contudo, para quem se considera um pouco cansado e não está muito disposto a se adequar às mudanças que virão, vender o negócio, agora, é uma alternativa a ser considerada, pois as projeções de valor para os próximos anos estão atrativas, tanto para quem vende, quanto para quem compra. O momento pode ser bom para os dois lados, dependendo da marca de veículos representada.

Alguns concessionários prepararam bem seus filhos para serem sucessores, não herdeiros e continuarão tendo sucesso no negócio de distribuição de veículos, quaisquer que sejam as mudanças no ambiente. Para outros, remanescentes, o divã continuará trazendo conforto emocional, mas provavelmente, em breve, terão uma inteligência artificial, um robô, como novo psicanalista. É o futuro chegando.

Em mais de três décadas, atuei diretamente na estratégia e gestão de redes de concessionárias e conheço bem os anseios e angústias dos dois lados, fabricantes e distribuidores. É muito saudável quando as partes se toleram em momentos de turbulência e se amam na bonança, afinal, ao assinarem o contrato de concessão celebraram um casamento, com ônus e bônus.

Orlando Merluzzi (*)


(*) Sócio da MA8 Consulting, conselheiro independente de administração, consultor de empresas e especialista em gestão e governança, é palestrante e atua no setor automotivo há 37 anos, sendo 30 anos dedicados às redes de concessionárias. É o criador do Portal Pensamento Corporativo e autor do livro Potência Corporativa.

 

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