O futuro das concessionárias de veículos requer um “Plano B”

o futuro dos negócios automotivos capa

As montadoras e as concessionárias não são entidades beneficentes e seus investimentos devem trazer retorno aos acionistas. Porém, as concessionárias precisam de um “Plano B”.

  • Os riscos de projetos de lei inconsequentes que podem afastar montadoras do Brasil.
  • Possível mudança do modelo de distribuição de veículos.
  • As concessionárias podem perder o controle sobre a jornada do cliente   

Não se trata de ameaças, mas um alerta. No Brasil, o negócio de produção e distribuição de veículos segue, há décadas, um modelo que é, também, função da tecnologia, maleabilidade e imprevisibilidade. A tecnologia evolui e com ela as formas de gestão; a maleabilidade do negócio é pequena, o modelo é racional e a tecnologia cria novas necessidades de adaptação; a imprevisibilidade está diretamente ligada aos humores da economia e da política. Tudo isso tem efeito no mercado, nos negócios e principalmente, nas decisões estratégicas tomadas na matriz de cada montadora.

As vendas de veículos no Brasil representam apenas 3% do mercado mundial e não é segredo para ninguém que as grandes montadoras estão direcionando seus investimentos para Ásia, Europa Ocidental e América do Norte, regiões que, juntas, representam 86% do mercado global. Pouco antes de anunciar sua saída do Brasil, a Ford havia oficializado que a estratégia de futuro estaria direcionada para América do Norte e para Ásia. Dois anos antes do anúncio da saída da Ford, o principal executivo da GM no Brasil deu uma infeliz declaração, sugerindo que a empresa poderia deixar o país se não voltasse a ter lucro. É evidente que esse pensamento não saiu da cabeça dele e em algum momento, na matriz, alguém mencionou isso.

A pandemia agravou a situação do setor automotivo, que já estava convalescente pelas crises política e econômica dos anos anteriores. O parque industrial automotivo no Brasil já não possui mais a capacidade instalada de cinco milhões de veículos, que possuía há quatro anos. Hoje temos, no máximo, capacidade para quatro milhões de veículos anuais.

Os limites do mercado e dos carros elétricos no Brasil

Os carros elétricos, da forma como estão concebidos, não terão muito sucesso no mercado brasileiro futuro e poderão, no máximo, deter 15% do mercado total, dividindo com os carros a combustão, a fatia de veículos com preço acima de cento e cinquenta mil reais. Engana-se quem acredita que os preços dos carros elétricos irão baixar; ao contrário, irão subir ainda mais, por duas razões: 

  1. Baixar preços de veículos, ao mesmo tempo que a tecnologia evolui, não está no DNA das montadoras.
  2. Aproximadamente, 55% da composição das atuais baterias íon de Lítio são metais e elementos químicos nobres, commodities preciosas, cujos preços no mercado internacional apenas começaram a disparar. Em adição, dezenas de novas gigafactories (fábricas de baterias) precisarão ser construídas pelo mundo nos próximos oito anos, com investimentos na casa do “bilhão de dólares” por empreendimento. Além disso, os elevados custos de desenvolvimento das novas baterias em estado sólido (SSB), que equiparão os carros elétricos nos próximos anos, também exigirão retorno financeiro e precisarão ser pagos.

Contudo, é possível baixar os preços dos atuais carros elétricos, equipando-os com pequenas baterias mais leves e menos densas, com autonomia urbana de curtas distâncias, o que, certamente, irá gerar muita insatisfação dos clientes. Essa não é a tendência, pois espera-se que, nos próximos anos, as baterias tenham capacidade média superior a 80kWh (hoje, esse índice médio é 58kWh).

Alertas às redes de concessionárias e associações

Projetos da irresponsabilidade e oportunismo

Há dois projetos de lei no Brasil, em tramitação, que visam impedir a venda de veículos com motores a combustão (combustíveis fósseis) a partir de 2030, ou seja, daqui a menos de oito anos. Respectivamente, o PL 307/2017 no Senado Federal e o PL 5.332/2020 na Câmara dos Deputados. São jabuticabas perigosas, pois, se avançarem farão com que algumas montadoras deixem o país antes mesmo da entrada em vigor da nova legislação. Vale lembrar que o setor automotivo no Brasil representa, aproximadamente, 6% do PIB nacional, quando incluímos a cadeia completa e o aftermarket

O futuro do setor automotivo brasileiro não pode ser decidido dessa forma e legisladores e influenciadores no país deveriam estar focados em fomentar soluções alternativas para viabilizar a redução da pegada de carbono, como, por exemplo, as soluções apresentadas pelo setor sucroenergético, o etanol, o biometano e até o hidrogênio verde reformado a partir das moléculas do próprio etanol. Portanto, olho vivo e atenção nesses dois projetos de lei que mencionei; apesar de algumas pessoas pensarem que se trata de ideias “natimortas”, há forças encaminhando os referidos projetos de lei.

Concessionárias x Agências

Outro ponto importante, o qual as concessionárias devem manter no radar, é a questão da criação das agências em substituição ou complemento às concessionárias. Há um movimento em alguns países, no qual as tradicionais concessionárias de veículos deixarão de existir com a chegada dos carros elétricos e se tornarão “agências”. Algumas marcas, em outros países, indicam que irão mudar os contratos de concessão, nomeando “agentes” para acomodar o novo cenário tecnológico e as novas formas de fazer negócios. Ao mudar o contrato de concessão o novo desenho deve ser estendido, obrigatoriamente, a todas as concessionárias da rede e da marca.

Conflitos de Leis e Regulamentos

Lembro que a implementação das “agências” no Brasil, em substituição ou complemento às concessionárias, não deve ocorrer tão facilmente, principalmente porque as concessionárias continuarão existindo sob vigência da Lei Ferrari (Lei 6.729/79, parcialmente alterada pela Lei 8.132/90) e da PCCE. Caso as montadoras nomeiem agentes, isso se daria sob as regras análogas à Lei 4.886/65 e aos artigos do Capítulo XII do Código Civil (Lei 10.406/2002). Tal cenário só seria possível com a aprovação das associações. A Lei 4.886/65 regulamentou a atividade do representante comercial e ganhou forma de “agência” e distribuição no Código Civil de 2002. Nesse caso, a agência faz a intermediação da venda e ganha comissão, podendo responsabilizar-se pela assistência técnica conforme o contrato. Já a Lei 6.729/79 (Lei Ferrari), regulamenta a concessão mercantil da revenda e assistência de veículos e possui caráter de legislação especial. Nota: Há um extenso artigo meu, sobre esse tema, no portal oleodieselnaveia.com.

As concessionárias perderão o controle sobre a jornada do cliente

Enquanto as fabricantes assumem o controle sobre os dados, comportamento e jornada dos clientes, algumas associações de concessionárias perdem força, desentendem-se internamente, rompem cláusulas pétreas internas de confiança mútua entre líderes e viabilizam uma mudança de modelo de negócios no setor de distribuição de veículos, por descuido e em alguns casos, por vaidade.

É por isso que iniciei este artigo afirmando que as concessionárias precisam, urgentemente, de um “Plano B” e pergunto: qual é o “Plano B”?

Orlando Merluzzi (*)


(*) Sócio da MA8 Consulting, conselheiro independente, mentor, palestrante e especialista em gestão e governança, atua no setor automotivo há 37 anos, dos quais, 30 anos dedicados ao relacionamento entre montadoras, concessionárias e associações de marca.

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