O risco China. A Jornada das Baterias íon de Lítio e as boas oportunidades de negócios no Brasil.

A crise dos semicondutores foi o aperitivo do que pode acontecer até o final desta década. Conheça a grande jornada das baterias dos veículos elétricos, a hegemonia da China, riscos e até boas oportunidades de negócios no Brasil.

Estratégias ainda indefinidas na cadeia de suprimento

Assim será pelas próximas duas décadas, até que uma nova ordem de poder geopolítico-tecnológico se estabeleça de forma equilibrada. Enquanto houver predominância, concentração e controle da mineração, processamento, beneficiamento e produção dos componentes das baterias, a nova indústria automobilística global, pautada por tecnologia e mobilidade inteligente, estará vulnerável. Um exemplo recente do que pode ocorrer no futuro, em escala maior, vivemos com a crise dos semicondutores e todo seu impacto na produção, prioridades para mercados e nos reajustes de preços dos carros novos.

O risco China

Algumas agências internacionais aumentaram as projeções de hegemonia da China na produção dos componentes das baterias, projetados para 2030. Atualmente, próximos a 80%, podem atingir 90% até o final desta década e em especial, a fabricação dos cátodos, um entre os eletrodos, o qual leva em sua composição, além do Lítio, Níquel, Cobalto e Manganês, ou fosfato de Ferro e óxido de Alumínio, e representa mais da metade dos custos de produção da bateria. Demais componentes das células, os separadores, eletrólitos e ânodos (o outro eletrodo composto por grafite e cobre) também são, majoritariamente, fabricados na China. (ver quadro completo ao final deste artigo).

As baterias continuarão sendo, por muito tempo, a parte mais sensível do negócio de carros elétricos.

A longa jornada: das minas até o descarte

11 ETAPAS DA JORNADA DAS BATERIAS

O infográfico mostra a cadeia e as etapas do processo. A mineração de metais e elementos nobres, produção, utilização, reciclagem e controle de resíduos enfrentarão desafios: geopolítico, socioambiental, mercadológico, financeiro, empresarial e sugerem oportunidades de negócios para o Brasil, a partir da sexta-etapa, inclusive. O Brasil não está na rota das gigafactories, por isso, não é razoável imaginar que haverá investimentos sólidos no país para as etapas 3, 4 e 5; mais à frente explicarei o motivo.

É possível que, estrategicamente e em curto espaço de tempo, países desenvolvidos (destinos certos de dezenas de novas gigafactories de baterias e veículos elétricos, planejadas para os próximos anos), alterem sua cadeia de fornecedores, quando possível, para países livres de conflitos políticos e sociais. Nota: Os Estados Unidos, por meio de sua Secretaria de Governo para Energia, anunciaram que farão isso e outros países devem seguir a sugestão. Segundo nota do governo norte-americano, “é preciso garantir o acesso às matérias-primas e materiais refinados, assim como identificar alternativas para os minerais críticos em suas aplicações comerciais e de defesa”.

Nem todos os discursos estão alinhados com o grande pano de fundo dessa nova tecnologia; a redução da pegada de Carbono.

Contudo, os desafios financeiros são enormes para viabilizar essa cadeia, de forma a atender às demandas futuras de baterias íon de Lítio, não só para carros e caminhões elétricos (ou eletrificados), mas também para equipamentos, computadores, máquinas, armamentos, unidades estacionárias etc.

A capacidade atual de produção de células, módulos e baterias está em torno de 950GWh e o mundo demandará algo como 5.000GWh ao final da década (5TWh). A construção de gigafactories requer tecnologia, pesquisas, tempo e muito dinheiro. Em média, uma gigafactory consome 1,5 bilhão de dólares e até 2030 o mundo demandará investimentos da ordem de 550 bilhões de dólares em desenvolvimento de novas unidades produtivas de baterias, sem incluir nesse cálculo, os investimentos necessários para as redes públicas de recarga.

Nota: Em um artigo de 28 de março, publicado neste portal, falei sobre esse tema com maiores detalhes. De lá para cá, os valores estimados para a capacidade das gigafactories em 2030 já aumentou em três ocasiões. Na realidade, as agências globais não têm a menor ideia de como fazer essas projeções para o final da década; faltam dados, conhecimento específico e principalmente, fontes de financiamento.

Boas oportunidades de negócio no Brasil

É difícil imaginar que teremos investimentos, no Brasil, em atividades tecnológicas e produtivas para as Etapas 3, 4 e 5 da cadeia apresentada no infográfico acima, isso porque a fabricação de cátodos, ânodos, separadores e eletrólitos para baterias íon de Lítio dos veículos elétricos, bem como a produção das células e a montagem dos módulos, estão consolidadas na Ásia e dado sua importância e risco, alguns países da Europa e os EUA buscam desenvolver independência para essas etapas. De certa forma, trata-se de uma nova ordem de poder mundial, pois a demanda por armazenamento de energia não decorre apenas da mobilidade elétrica, equipamentos de comunicação e computação; há mais interesses no domínio dessas etapas, principalmente para uso militar. São investimentos bilionários que não conferem participação ao Brasil.

Contudo, a partir da Etapa 6, podemos considerar algumas oportunidades, investimentos e geração de negócios no país, em decorrência da nova indústria, sem menosprezar a indústria atual com motores movidos a combustão, a qual continuará viva, ainda, por décadas.

Tendo a importação dos módulos (contendo centenas ou milhares de células íon-de lítio) como ponto de partida, será razoável agregar no Brasil o “restante” valor da cadeia, com unidades de produção que montem os “packs”, grupando os módulos no formato final da bateria de cada veículo, incluindo o sistema de gestão (BMS) e o sistema de refrigeração interna. Dessa forma, é possível imaginar a produção de carros e caminhões elétricos no Brasil, sem a necessidade de importar a bateria completa, o que, na prática, inviabilizaria o negócio e parte do parque industrial automotivo brasileiro.

Entre os setores mais beneficiados nesse novo mercado, o “aftermarket” será, indiscutivelmente, um deles. Ao entrar no jogo a partir da Etapa 6, entrará em cena, também, uma competente rede de serviços e produtos conduzida pelo mercado paralelo de peças, componentes e soluções, inclusive para resolver problemas de baterias usadas, identificando e substituindo módulos danificados. Não há nada no setor automotivo brasileiro, que o mercado paralelo não resolva a um preço mais acessível e mais rápido. Quanto à qualidade, há produtos no paralelo tão bons quanto o original (na verdade são os mesmos produtos), assim como há produtos ruins e até perigosos em termos de segurança ou danos para o veículo; é questão de saber comprar o produto certo na fonte correta e as montadoras também precisarão se adequar ao cenário.

No caso dos carros e caminhões elétricos e suas baterias, engana-se quem pensa que as montadoras construirão uma reserva de mercado com as novas tecnologias; nossa história recente mostra o contrário. Não é à toa que a cadeia do “aftermarket“, sozinha, representa 2% do PIB brasileiro.

Outra área a ser explorada é a reciclagem ou remanufatura das baterias, viabilizando a segunda vida nos próprios veículos, em residências ou painéis estacionários de instalações comerciais e industriais. Contudo, essa área necessitará alguns anos para se desenvolver, até que exista parque circulante de veículos elétricos usados em volume suficiente que viabilize os investimentos e o retorno, afinal, entidades beneficentes não devem investir nesse setor.

Gestão de resíduos, descarte, auditoria e certificações também abrirão espaço para novos negócios no setor, principalmente se não virarem cartórios.

Por fim, tudo isso se tornará realidade se as fabricantes conseguirem viabilizar o mercado de veículos elétricos usados, isso porque, sem o mercado de usados as vendas de novos não decolarão. Algumas montadoras já estão oferecendo garantias de até dez anos nas baterias, com possível substituição gratuita após esse período. Conhecemos o funcionamento da concessão de garantias, até a página 3, quando surgem as alegações de mau uso. É certo que não fizeram direito as contas, principalmente porque os preços das baterias, no futuro, não irão cair e ao contrário, irão subir – há várias matérias no portal oleodieselnaveia.com explicando as razões para isso.

General Motors e Volkswagen

Particularmente, agrada-me as estratégias globais para veículos puramente elétricos, apresentadas por duas grandes montadoras, a GM e a VW. São estratégias bem estruturadas com “cabeça, corpo e membro” em termos de produtos e gestão da cadeia logística; resta saber se conseguirão competir no Brasil com os veículos de motor a combustão interna, superequipados e maiores, com preços menores que os veículos elétricos. Dependerá da disposição dos clientes em pagar pelo propósito de reduzir a pegada de carbono, abrindo mão de algum conforto.

A conferir.

Orlando Merluzzi (*)


(*) Sócio da MA8 Management Consulting, conselheiro independente de administração, especialista em estratégia, gestão e governança, é palestrante e atua no setor automotivo há mais de 37 anos, dos quais, 30 anos dedicados ao relacionamento entre montadoras, concessionárias e associações de marca.


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