CARROS ELÉTRICOS EXIGIRÃO NOVAS CONVENÇÕES DE MARCA ENTRE MONTADORAS E CONCESSIONÁRIAS

Talvez nem todos tenham notado o quanto a chegada dos veículos elétricos vai mudar a vida das concessionárias, com oportunidades e riscos. Já não bastasse o sofrimento nos últimos anos, tendo algumas redes diminuído de tamanho e perdido participação no mercado, os carros elétricos mudam quase tudo em conceito, capacitação, operações comerciais e, principalmente, na assistência técnica.

A Lei 6729/79 (Lei Ferrari), parcialmente alterada pela Lei 8132/90, define o relacionamento entre fabricantes/concedentes e concessionárias e se for respeitada e bem gerida durante o casamento entre as partes, trata-se de uma excelente âncora para os dois lados. Contudo, as peculiaridades do relacionamento comercial entre montadoras e concessionárias são (ou deveriam ser) definidas em “convenções de marca” e o Norte para isso é dado pela Primeira Convenção das Categorias Econômicas dos Produtores e dos Distribuidores de Veículos Automotores (PCCE), assinada em 1983.

O grande impacto que os veículos elétricos trarão para as redes de concessionárias está nas operações de pós-venda, uma vez que esses novos produtos são dotados de tecnologia totalmente distinta e relativamente conflitante com as definições de classes de veículos no Capítulo II da PCCE, mas principalmente, em seu Art. 2º.

Quero ressaltar que as redes de concessionárias dependem das atividades de pós-venda para sobreviver e geralmente são cobradas e bonificadas por índices de desempenho. Entre esses índices, um dos mais importantes é a absorção de serviços (ou absorção de pós-venda), que, na prática, determina a saúde da operação comercial de uma concessionária, objetivando a cobertura dos custos fixos, livrando a margem de venda dos veículos para a rentabilidade da operação e o retorno dos investimentos.

Oportunidade e risco

Se comparado a um veículo movido a gasolina (motor de combustão), um carro elétrico possui 50% menos peças móveis, não troca óleo, nem filtros e uma pastilha de freio pode durar 150 mil quilômetros. Para refletir, algumas atividades de reparo em veículos elétricos são feitas de forma remota, a milhares de quilômetros de distância, conectando o veículo parado com a própria fábrica, sem a participação da rede autorizada de assistência técnica.

Aí eu pergunto: As concessionárias vão viver do quê? Funilaria e pintura? Muitas peças de veículos podem ser compradas diretamente pela internet, com entrega em domicílio, ao custo bem mais baixo para o consumidor final.

Em contraponto surgirão novas oportunidades para as concessionárias, onde reciclar as enormes baterias dos carros elétricos é apenas um entre novos negócios potenciais.

Urge a necessidade de revisão no processo de venda de peças entre montadoras, concessionárias e cliente final, mas com a chegada dos carros elétricos o conceito dessa relação precisa ser adaptado à nova realidade e minha recomendação mais incisiva é para que as partes sentem e definam novas convenções de marca para comercialização de veículos elétricos.

Para quem acha que as montadoras ainda vão demorar para colocar carros elétricos e super-conectados à venda no Brasil, lembro que os principais países da Europa já definiram “landmarks” para extinção dos carros movido com motor de combustão e a China, que vende internamente quase 30 milhões de veículos por ano, já definiu regras onde 12% dos veículos produzidos e vendidos naquele país em 2020 devem ser obrigatoriamente elétricos.

Onde isso afeta o setor automotivo no Brasil? No fato que 12% de um mercado de 30 milhões de veículos por ano são 3,6 milhões de unidades e 60% das marcas que produzem e vendem veículos na China também vendem no Brasil, ou seja, as montadoras, daqui para frente, direcionarão recursos bilionários para desenvolver produtos para a China, Europa e EUA. Assim, os carros elétricos desembarcarão no Brasil, “a regime”, já a partir do próximo ano.

Portanto, quem ainda não começou a se preparar para essa nova realidade está atrasado e isso impactará diretamente a relação montadoras – concessionárias – cliente final, inclusive nos aspectos contratuais.

Orlando Merluzzi (*)Jan/2018  

(*) atua no setor automotivo há 32 anos, 25 dos quais dedicados ao relacionamento entre montadoras, associações e redes de concessionárias

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